Sagradas Escrituras – Diário de uma história de amor

Escrito por omensageiro_master

OMSA ENTENDENDO A BIBLIA Sagradas Escrituras Diario de uma historia de amor

Recordamos as pregações dos padres antigos, pois eles exerciam uma magia na homilia que se perdeu com o tempo, talvez porque as homilias se tornaram muito acadêmicas e pouco devocionais.

Como exemplo, segue este relato de padre Carlo Marini: “Havia um casal que se amava muito e conversava sempre, com muito carinho e atenção, com paciência e amor. Os dois construíram um lar juntos e tinham três filhos, que eram suas pérolas. Procuravam sempre dialogar com os filhos e viver momentos bonitos com eles, nos passeios, na igreja e ao redor da mesa. Contavam mesmo histórias bonitas antes de dormir e rezava com eles no despertar. Uma família com seus problemas, pequenos e grandes, mas todos unidos pelo amor e pelo sacramento. Venciam as adversidades. Qual foi a desventura, quando o esposo teve de viajar para longe, por um tempo relativamente longo. Foi grande a tristeza, mas era exigência do trabalho. Partiu e triste foi a despedida, bem triste mesmo. Prometeu escrever a cada semana; o esposo-pai tomaria a hora do passeio dominical para escrever e esperaria resposta. Foi assim, por vários meses escreveu religiosamente e enviou uma carta semanal para sua família. Passou o tempo e voltou para casa, e todos ficaram muito felizes. A família se recompôs. Qual surpresa, não boa, quando mexendo em umas gavetas, encontrou alguns pacotes, cuidadosamente embrulhados e ficou curioso. Abriu os pacotes, fechados com laços coloridos em pequenas bolsas com zíper. Abrindo-as, encontrou suas cartas, bem protegidas, fechadinhas nos envelopes, nunca abertas. Nem ficou furioso, ficou muito triste. Ao perguntar à esposa sobre aquela descoberta, ela respondeu: ‘Tem de entender, querido, com tantas coisas para fazer, trabalho, crianças, escola, visitas, vizinhos e… Não tive um minuto sequer de sossego para ler as cartas. Estão bem guardadas, com carinho, em embalagens bem bonitas”.

Esse é um pequeno texto apresentado nas homilias, nos encontros de catequese e nos grupos de formação bíblica. Serve para entendermos como a Palavra de Deus é importante em nossa vida cristã, para conhecê-lo e para seguir Seus ensinamentos, mas que muitas vezes é deixada em segundo plano. Veneramos os Livros Sagrados, mas não sempre folheamos suas páginas.

Os livros de Deus na escrita dos seres humanos

A liturgia ensina-nos a ler a Palavra de Deus e a Igreja ensina-nos a rezar a Palavra a cada dia, individualmente ou em família, colocando em prática seus ensinamentos. Quantas casas têm a Bíblia, bem colorida e com figuras maravilhosas, servindo de pedestal para outras bugigangas. Por isso, no mês de setembro, comemora-se o mês da Bíblia; para rever nossa relação religiosa com as Sagradas Escrituras. Vamos conhecer como foi escrita essa maravilhosa coleção de livros.
Os livros da Bíblia, segundo conhecemos em nossos dias, não foram escolhidos em uma reunião de estudiosos, mas trata-se de uma elaboração que demorou séculos para ser definida. A composição dessa lista se chama “Cânon da Bíblia”. Em outras palavras, significa os livros que foram, entre tantos outros textos, acolhidos como oficiais pelos rabinos hebreus, quanto ao Antigo Testamento, e pelos bispos que participaram dos Concílios que aprovaram a relação de livros, com seus capítulos e versículos, bem como suas traduções.
Para compreendermos melhor, entendemos que o termo “cânon” é derivado do grego e é o nome de um caniço, do tipo pedaço de madeira ou bambu, que era uma espécie de régua para medir satisfatoriamente as coisas, na extensão e na largura. “Conduziu-me para lá e eis aí um homem, cujo aspecto era como o de bronze, e que tinha na mão um cordel de linho e uma cana de medir. Ele estava em pé no pórtico. Ora, o Templo tinha um muro exterior que o cercava por todos os lados. Quanto ao homem, tinha na mão uma cana de medir de seus côvados, de côvados equivalentes a um côvado e um palmo cada um. Com ela mediu a espessura do edifício – de uma cana – e a sua altura – de uma cana” (Ez 40,3.5).
Mais tarde, por semântica, o significado desse termo evoluiu, passando a referir-se a uma “regra, norma ou medida”, como encontramos na Epístola de São Paulo aos Gálatas: “E a todos os que pautam sua conduta por esta norma, paz e misericórdia sobre eles e sobre o Israel de Deus” (Gl 6,16) Mais tarde ainda, o termo “cânon bíblico” passou a indicar a relação ou lista dos livros das Sagradas Escrituras. São considerados textos inspirados por Deus, escritos com base nos limites estabelecidos pela Igreja. Tornaram-se os livros considerados normas da fé e base para a pregação e o ensinamento da Boa-Nova de Deus para Seu povo. É assim que São Paulo descreve, quando escreve a Timóteo: “E desde a infância conheces as Sagradas Escrituras e sabe que elas têm o condão de te proporcionar a sabedoria que conduz à salvação, pela fé em Jesus Cristo. Toda a Escritura é inspirada por Deus, e útil para ensinar, para repreender, para corrigir e para formar na justiça” (cf. 2Tm 3,14-16).
Desde os tempos mais antigos da Igreja, com os Santos Padres, o cânon representa uma coleção de livros que é considerada regra de fé. Em definição mais completa, entendemos como cânon das Escrituras uma coleção de livros divinamente inspirados e reconhecidos pelas autoridades da Igreja como regra infalível da fé, pois são livros que têm origem e inspiração divina.
Deus é o autor dos Livros Sagrados, quer dizer, Aquele que inspira homens escolhidos para falar e escrever em Seu nome, sob a luz do Espírito Santo. Os livros são escolhidos cuidadosamente, sobretudo separando o trigo do joio. Em outras palavras, significa uma grande quantidade de livros não inspirados em contrapartida aos foram inspirados por homens santos e místicos em plena sintonia com a vontade divina.

Duas Bíblias “diferentes”

Constantemente, muitos fiéis ficam intrigados pela grande diferença entre os conteúdos das Bíblias Católica e Protestante. Eles sempre questionam se são o mesmo texto sagrado e quais as diferenças entre ambas.
Inicialmente, vale citar que a Bíblia Católica possui sete livros a mais que a protestante. São eles: Tobias, Judite, I Macabeus, II Macabeus, Baruque, Sabedoria e Eclesiástico. Ainda em relação ao Antigo Testamento, em que encontramos mais diferenças, recordamos que há dois cânones originários: o cânon hebraico e o cânon grego.
O cânon hebraico é a versão dos livros adotados pelos judeus que habitavam na própria Palestina, enquanto o cânon grego é o Antigo Testamento, seguido pelos judeus fora da Palestina, chamados judeus da diáspora. Assim, os cristãos católicos herdaram a versão grega que foi traduzida da Septuaginta. Esta, por sua vez, era a compilação dos livros bíblicos feita por 72 sábios judeus, a pedido do Imperador Alexandre Magno.

As mãos sagradas do Antigo Testamento

Os textos do Antigo Testamento possuem uma longa história. Entre os fatos históricos, as orações e os salmos e as histórias míticas e tantos outros modelos literários, encontramos uma verdade comum: são textos inspirados por Deus e escritos por grandes místicos e mestres do povo hebreu.
Há muitos textos da tradição hebraica, mas nem todos foram anexados ao compêndio final da bíblia judaica. Muitos deles foram classificados pelos grandes mestres como incoerentes ou incorretos, que não correspondiam aos ensinamentos dos grandes profetas e patriarcas.
No entanto, é preciso reconhecer que esses textos foram primeiramente tradições orais, contadas nos saraus familiares e nos cultos litúrgicos. Muitos deles foram atribuídos a grandes santos, patriarcas e reis, mas nem sempre essas autorias foram confirmadas.
Sua autoria era atribuída a grandes nomes históricos para ganhar mais credibilidade e respeito, mas muitas vezes eram escritos antigos que se contavam e se repetiam pelos anciãos e eram transmitidos de geração em geração. Outras vezes, os textos eram inspirados nos ensinamentos desses grandes mestres e copiados nos papiros pelos grandes escribas, uma vez que a arte de escrever era muito rara e difícil.
Normalmente, os estudiosos dividem os livros do Antigo Testamento em partes. A parte mais importante e tradicional eram os primeiros cinco livros, denominados Pentateuco. Depois, estão os Livros Históricos, que narram os fatos desde a entrada na Terra Prometida até a retomada do Templo, poucas décadas antes do nascimento de Jesus.
As grandes admoestações são relatadas pelos grandes profetas, divididos em Profetas Maiores e menores. São livros mais tardios, para orientar a vida do povo no caminho da justiça e da retidão dos costumes. Uma parte significativa e muito inspirada são os Livros Sapienciais, em que estão os textos magníficos de orações e de ensinamentos sábios para a vida cotidiana, pessoal e comunitária. Uma pequena parte bem específica são os Livros Apocalípticos, que apresentam momentos finais da história da humanidade, o fim dos tempos.
Esses livros são chamados canônicos e são adotados comumente nas celebrações litúrgicas dos hebreus e, sobretudo depois do século V, foram assumidos nos cultos cristãos. São considerados livros inspirados e valorizados como Palavra viva de Deus, mesmo que necessitem de interpretação e compreensão, para evitar fundamentalismos e manipulação da vontade d’Ele.

Formação do Novo Testamento

Depois da morte e ressurreição de Jesus Cristo, Seus discípulos, tanto os Doze, quanto muitos seguidores, saíram para pregar Seus ensinamentos e testemunhar todas as maravilhas que viram e ouviram naqueles anos com Jesus de Nazaré.
A primeira tradição da Palavra de Deus é, portanto, oral, em que os pregadores contam e explicam as histórias de Jesus e Suas parábolas. Tornaram-se testemunhas vivas de um Deus vivo e verdadeiro, morto e ressuscitado. Para integrar os livros do Novo Testamento, foram escolhidos alguns critérios fundamentais, relatados a seguir:

a) Apostolicidade
Como vimos, nos primeiros anos depois de Pentecostes, os relatos das pregações e das ações de Cristo eram feitos de forma oral, como transmissão de conteúdos pelas suas principais testemunhas. À medida que os anos passavam, os discípulos sentiram a necessidade de registrar em papiros e pergaminhos suas narrativas, sobretudo as histórias do próprio Jesus.
Assim foram escritos os Evangelhos e as cartas apostólicas, que foram conservadas e reproduzidas entre as comunidades cristãs. Os discípulos escreviam para elas e mantinham a unidade da fé. Esses escritos ganharam legitimidade e autoridade nas comunidades entre os fiéis. Tal conteúdo foi anotado e separado pelos seguidores do Nazareno, os cristãos. Houve o cuidado de que os escritos tivessem na origem os apóstolos de Jesus e fossem escritos até a morte deles, todos na segunda metade do século I.
João é considerado o último dos Apóstolos, morto na velhice, ao redor do ano 100. Isso foi fundamental para separar a grande quantidade de textos que surgiu depois, com variados autores, não todos ortodoxos e muitos com pseudônimos. Foram as Igrejas vivas dos Apóstolos que conservaram esse conteúdo com zelo e cuidado.

b) Uso litúrgico nas Igrejas
No início do século II, surgiram duas listas de textos adotados como escritos apostólicos. Eles foram assumidos pelas várias comunidades cristãs e eram bem próximos. Tratavam-se dos Evangelhos e as Epístolas de Paulo.
Por não serem listas oficiais, os cânones não eram regulares e variavam entre as Igrejas. Os Evangelhos foram considerados primordiais como textos sagrados, mesmo que tivessem sido escritos depois das Cartas. Todos foram considerados canônicos. Em 140, um importante bispo, muito sábio, Papias (70-163), da Igreja de Hierápolis, reconheceu os primeiros evangelhos de Marcos e Mateus, tidos como mais antigos. Por volta do fim do século II, surgiram listas dos escritos canônicos, com pouca variação e que foram praticamente os livros oficializados nos séculos posteriores, sobretudo no século IV e dogmatizados no Concílio de Trento (1545-1563).

c) Conformidade com a Regula fidei
Preocupados com a doutrina e a ortodoxia, sobretudo em tempos de tantas heresias e discussões teológicas, os grandes patriarcas e as comunidades prezavam a veracidade dos textos oficiais. Finalmente, escolheram-se o livro do Apocalipse, atribuído a João, e as cartas pastorais de Pedro e João. A lista mais precisa denomina-se Cânon Muratoriano, datado do ano de 180, conservado até nossos dias.
Naquele período, houve muitas discussões sobre o cânon do Novo Testamento, sobretudo o surgimento dos evangelhos apócrifos e os escritos pseudográficos, que eram versões da vida de Jesus com autores falsificados. Os gnósticos e outros heréticos escreviam as histórias de Jesus e Suas doutrinas, inserindo nomes dos apóstolos e de personagens da vida de Jesus para dar legitimidade aos seus escritos.
Os principais heréticos foram Marcião (85-160), um herege romano, e outros nomes menos conhecidos. Vale citar Ireneu, bispo de Lião (130-202), que combateu esses hereges, eliminou os traços heréticos da doutrina cristã e excluiu seus evangelhos. Foi um padre da Igreja rigorista que, no século III, definiu o título do Novo Testamento. Com essas definições, o cânon do Novo Testamento ficou praticamente definido até nossos tempos.

d) Reconhecimento universal
Para a definição e a aceitação do cânon, é necessário que todas as Igrejas acolham e assumam esses livros, para ter unidade e plenitude dos textos. Foi assim que os Concílios Ecumênicos aprovaram as listas e as tornaram oficiais. Assim, compuseram-se as Sagradas Escrituras, livros sagrados dos cristãos em todo o universo.

Sagradas Escrituras – para rezar e viver

Diversos estudiosos se debruçaram sobre as Sagradas Escrituras, para conhecer seu conteúdo, seu contexto, suas formas literárias e sua filologia. Muitos exegetas e teólogos bíblicos aprofundaram-se nesses textos e dissecaram seu conteúdo. Mais ainda; muitas heresias e muitas divisões nasceram das interpretações particulares e errôneas da Palavra.
Há mesmo um provérbio que diz: “a Bíblia é a mãe de todas as heresias”, porque todos os hereges se inspiram em suas frases para fundamentar suas doutrinas. No entanto, a Palavra de Deus é um riacho límpido, criado pelo Senhor para que todos pudessem navegar em suas águas, beber de suas fontes cristalinas e viver em Seu amor. Não pode ser fonte de divisão e jamais é fundamento de heresias. Na verdade, muitos líderes religiosos manipulam as passagens bíblicas para legitimar e justificar as próprias ideologias.
Que todos os cristãos busquem nas Sagradas Escrituras a inspiração para seguir Jesus Cristo e para viver com fidelidade Seus ensinamentos. A Bíblia é fonte de vida e deve ser lida com a reverência, rezada com devoção e praticada com sinceridade.

Pe. Antônio Sagrado Bogaz
Prof. João Henrique Hansen

Edição de Setembro/2018

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