“Redes”, “redes sociais”, “redes digitais”, “redes midiáticas”: tudo é “rede”. Com o desenvolvimento da internet e do ambiente digital, as pessoas, hoje, encontram outras formas de relação e de interação, sem fronteiras de espaço e sem limites de tempo. Não é novidade mencionar que as últimas décadas foram marcadas por uma reviravolta comunicacional, uma verdadeira “revolução digital”. Os “10 mil dias que estremeceram o mundo”, desde o surgimento dos primeiros computadores pessoais e da internet como a conhecemos. Assim, passamos a viver em uma sociedade da comunicação e da conexão, em velocidade e abrangência crescentes.
A Igreja Católica, ao longo do tempo, tentou se aproximar, captar e responder a esses “sinais dos tempos” comunicacionais. Um grande marco histórico, nesse sentido – anterior à “revolução digital”, mas que serviu de horizonte para os passos comunicacionais eclesiais posteriores –, foi à publicação do Decreto Inter mirifica: sobre os meios de comunicação social, aprovado em 1963 pelo Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965). Foi a primeira vez na história que um Concílio da Igreja abordou, em um documento próprio, a comunicação, reconhecendo e assumindo, assim, os “novos caminhos” abertos para a manifestação do “espírito humano”.
Outro grande marco histórico ocorreu no pontificado de São João Paulo II (1920-2005) ‒ que durou de 1978-2005 ‒, o primeiro pontífice a reconhecer a “revolução das comunicações e da informática em pleno desenvolvimento”, como disse em sua mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais de 2002. Ele, efetivamente, inseriu a Igreja no processo de digitalização. Segundo alguns relatos, ao conhecer as potencialidades da nascente internet, o papa polonês perguntou aos seus assessores: “Por que a Santa Sé ainda não está lá? Quem deve decidir isso?” Responderam-lhe: “Cabe ao senhor, Santo Padre”. E o papa: “Mas então que se faça!” Foi assim que, de forma inovadora no âmbito eclesial, em 30 de março de 1997, domingo de Páscoa, foi inaugurado o site da Santa Sé (www.vatican.va). Em 2001, o papa Wojtyla também enviou o primeiro e-mail pontifício da história, cujos destinatários eram os bispos do mundo, contendo como anexo a Exortação Pós-Sinodal Ecclesia in Oceania: sobre Jesus Cristo e os povos da Oceania seguindo o seu caminho, proclamando a sua verdade e vivendo a sua vida.
Já durante o pontificado do papa emérito Bento XVI (1927-), ‒ que se estendeu de 2005 a 2013 ‒, a Igreja aprofundou ainda mais suas reflexões e suas ações em relação à internet. Foi o pontífice alemão que identificou o surgimento de uma “nova cultura da comunicação”, como afirmou na mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais de 2009. Segundo ele, a revolução digital era uma verdadeira reviravolta comunicacional, pois a “transformação operada no campo das comunicações guia o fluxo de grandes mudanças culturais e sociais”, segundo a mensagem proferida em 2011.
Também foi o papa Bento XVI que deu outro grande passo comunicacional de aproximação da Igreja ao fenômeno digital. Isso ocorreu em 2011, quando, com grande repercussão midiática, lançou mundialmente o portal News.va, uma iniciativa comunicacional da Santa Sé para reunir em um único site as notícias produzidas pelas diversas mídias vaticanas e para também buscar maior inserção da Igreja Católica nas plataformas sociodigitais. O surpreendente, contudo, foi à forma como se deu tal lançamento: em 28 de junho de 2011, o pontífice tocou na tela de um tablet e enviou uma inédita e histórica mensagem pontifícia via Twitter®, o primeiro “tuíte” papal da história da Igreja, que, ao mesmo tempo, inaugurou o novo portal.
Esse processo se exponenciou com a entrada do papa Bento XVI no Twitter®, em 2012, com a criação das diversas contas @Pontifex, e, mais recentemente, com o ingresso do papa Francisco (1936-) no Instagram®, em 2016, com sua conta @Franciscus. Ou seja, agora, não se trata mais apenas da conta de um meio de comunicação vaticano (porta-voz, jornal, rádio, TV, site, entre outros exemplos), mas sim da presença da própria instância máxima do catolicismo – o pontífice – em tais plataformas. Surgem, assim, os primeiros “papas-mídias”, pois as contas @Pontifex e @Franciscus, em sua personalização, apontam para um papa pessoalmente midiatizado em uma plataforma sociodigital ou, vice-versa, para uma mídia personificada na pessoa papal. No Twitter® e no Instagram®, portanto, a mediação comunicacional entre a Igreja e o mundo não se dá mais apenas pelas mídias vaticanas ou externas à Santa Sé. Agora, o próprio papa passa a ser uma “mídia em pessoa”.
Ou seja, tais presenças institucionais da Igreja nas plataformas sociodigitais manifestam ainda mais o reconhecimento de que a rede “tornou-se parte integrante da vida humana”, como disse o papa Bento XVI em sua mensagem de 2011, e de que a Igreja não pode ignorar esse fenômeno. Na mensagem de 2009, o pontífice destacou que não basta apenas uma presença on-line institucional em sites próprios (como o site do Vaticano ou das mídias vaticanas), mas é preciso participar desta “nova cultura da comunicação”, aproveitando o seu “enorme potencial […] para favorecer a ligação, a comunicação e a compreensão entre indivíduos e comunidade”, entre o pastor e o seu rebanho.
Assim, notamos que os papas, pessoalmente, passam a se “misturar” com as pessoas em rede, deixando de lado a ênfase nos sites institucionais da Santa Sé e passando a buscar maior participação nas plataformas sociodigitais, indo ao encontro das pessoas onde elas estão. Aqui percebemos uma primeira tensão: participar do Twitter®, ou do Instagram®, por exemplo, significa, para a instituição e a autoridade eclesiásticas, abrir mão de seu poder de controle sobre a construção de sentido. Ela deve, agora, obedecer aos protocolos empresariais indicados por essas outras instituições comunicacionais e também aos protocolos sociais que as pessoas vão elaborando no desenrolar das interações em rede. Desse modo, a Igreja Católica adentra aos poucos em um “território” alheio e não neutro. Que desdobramentos isso pode provocar, ou, melhor, já está provocando?
Na mensagem de 2011, o papa Bento XVI assumiu que “o envolvimento cada vez maior no areópago digital público das chamadas social networks […] influi sobre a percepção de si próprio e, por conseguinte, inevitavelmente, coloca a questão […] da autenticidade do próprio ser”. Surgiu aí uma segunda tensão: o temor da Igreja Católica diante dos riscos que podem estar envolvidos, de seu ponto de vista, como instituição, em sua entrada nesse “areópago”. Como Igreja, podem estar em risco a “percepção de si própria” e a própria “autenticidade”, justamente pelo fato de as redes comunicacionais serem um ambiente sem a possibilidade de controles institucionais próprios em relação ao que ali circula socialmente. Por isso, segundo o pontífice, ainda em 2011, no contexto digital, deveria haver um esforço maior para dar a conhecer a verdade do Evangelho “na sua integridade” em vez de “torná-la aceitável, talvez ‘mitigando-a’”. Ou seja, o risco também diz respeito à “integridade” do catolicismo. Por isso, por parte da Igreja, é necessário evitar toda possibilidade de sua “mitigação”. Mas como a instituição pode promover um evitamento disso em meio às diversas e difusas interações comunicacionais em rede?
Nessa ocasião, o pontífice afirmou que, em rede, a Igreja-instituição, conscientemente, percebe que passa a interagir com a “participação maciça das pessoas nos vários social network”, em que as pessoas em geral podem manifestar suas opiniões pessoais sobre o catolicismo publicamente, com alcance global e instantâneo, muitas vezes com conteúdos desviantes ou até mesmo contrários ao sentido proposto pela instituição, que vão além de qualquer controle institucional. Em rede, o fluxo comunicacional não se deixa deter ou delimitar por estruturas ou impedimentos quaisquer e, mesmo diante de obstáculos, encontra outros circuitos e conexões para a construção de sentido. Nesses ambientes, para além da vigilância ou da restrição institucionais, tais sujeitos “falam” sobre o catolicismo, postando conteúdos diversos (sob a forma de textos, imagens e vídeos) vinculados à tradição e à doutrina da Igreja Católica, em meio a tensões e polarizações. No caldo cultural contemporâneo, portanto, a religião embebe e é embebida por processos midiáticos; assim, instituições religiosas e fiéis vão sendo impelidos pela complexidade social a modificar suas estruturas comunicacionais e seus sistemas internos e externos de comunicação do “sagrado”. Questões novas, que demandam, também, novas reflexões.
Moisés Sbardelotto
Edição Julho/Agosto 2018
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