A Festa do Espírito Santo é uma das celebrações mais bonitas da liturgia cristã. Trata-se de um festejo que implica uma profundidade teológica e bíblica, e, ao mesmo tempo, popular porque espalhou-se pelos imensos sertões e pelas comunidades camponesas mais longínquas. É a solenidade da luz, do vermelho-fogo, do amarelo-alegria e da explosão dos sentimentos e das emoções. Nas últimas décadas, a força mística do Espírito Santo assumiu proporções impressionantes, movendo fiéis e animando grupos de oração e fortalecendo as comunidades.
Para acolher toda a grandeza da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, é fundamental abrir-se à sua força intrínseca, superar os preconceitos pastorais e ter a humildade de estar receptivo (a) ao equilíbrio de sua presença em nossa vida, tão fortemente emocional e delicada.
Santo Espírito, Deus de Deus, luz da luz
Nem sempre, os cristãos têm a percepção da plenitude trinitária, compreendendo um único Deus em pessoas distintas e unidas em Sua essência. Nessa distinção, cada pessoa possui as mesmas características essenciais, unindo seus atributos na mesma divindade. Diferentes na missão, unem-se como único ser divino, em uma perspectiva monoteísta absoluta.
Deus revelou-se como Criador, na origem do mundo. Não estava solitário, eram três pessoas presentes em Sua ação criadora. Basta pensar como, profeticamente, os verbos utilizados estão no plural. Assim, Ele disse: “Façamos o homem à nossa imagem e conforme a nossa semelhança…” (Gn 1,26). Estamos diante de um Deus criador, que se revela na pluralidade; mesmo que tal concepção não seja evidente na visão monoteísta trinitária, continua quando, após o pecado dos primeiros pais, Deus se manifesta dizendo: “Eis que o homem se tornou um de nós…” (Gn 3,22). Não é diferente na babilônia das línguas, quando Ele se revela e anuncia a punição da pretensão da humanidade: “Vinde, desçamos e confundamos a sua linguagem…” (Gn 11,7). Deus revela-se na Trindade e Sua força está na unidade. Vamos compreender séculos depois que estavam presentes o Filho e o Espírito Santo, que pairava sobre as águas no ato da criação.
Encontramos na revelação os atributos divinos, relatados biblicamente, inerentes de forma igualitária ao Filho e ao Espírito Santo, necessários para a unicidade plena de Deus. Encontramos no Espírito Santo a força da eternidade, quer dizer, com existência no passado, no presente e no futuro. Um Deus sem tempo integrado no tempo, na história da criação. Igualmente se revela como onipotência, pela qual Ele detém todo o poder. Desse mudo, tudo lhe é possível. Assim, para mostrar a divindade do Espírito Santo, precisamos identificar no Santo Espírito os atributos que o igualem a Deus. Recorremos ao texto paulino, que explicita tão bem essa verdade doutrinal: “Se o Espírito daquele que dos mortos ressuscitou a Jesus habita em vós, aquele que dos mortos ressuscitou a Cristo Jesus há de vivificar também os vossos corpos mortais, pelo Seu Espírito que em vós habita” (Rm 8,11). Esta mesma proposição encontramos na primeira carta do Apóstolo aos fiéis de Corinto: “Um só e o mesmo Espírito opera todas estas coisas distribuindo particularmente dons a cada um” (1 Cor 12,11).
Espírito nas tradições hebraicas
A Festa do Espírito divino está muito presente nas passagens bíblicas e na vida litúrgica do povo hebreu. Entre as grandes celebrações da tradição judaica (cf. Ex 23,14-17; 38,18-23), vale destacar a Festa da Páscoa, cuja celebração coincidia com a Festa dos Pães Ázimos. É importante citar ainda a Festa das Colheitas, também denominada de Festa das Semanas, comemorada cinquenta dias depois da celebração pascal. Esse festejo foi denominado Pentecostes, exatamente pela contagem de cinquenta após a Páscoa. Também bastante relevante, mesmo que não tenha tido continuidade nas tradições cristãs, é a Festa dos Tabernáculos ou das Cabanas.
Desse modo, a Festa da Páscoa teve uma continuidade muito importante e fundamental na tradição cristã. É a maior celebração do cristianismo ao longo dos séculos. A Festa do Espírito Santo é oriunda da Festa das Colheitas, celebrada no Pentecostes. Também nessa ocasião se celebra a Festa da Torá, ou seja, o evento que lembra o Espírito divino inspirando Moisés no conhecimento e na codificação de suas leis. De fato, o patriarca compreendeu a mensagem divina e a apresentou ao povo que seguia pelo deserto rumo à Terra Prometida.
A seguir, estão alguns festejos tradicionais, encontrados nas Sagradas Escrituras:
1) Festa das Semanas: é uma festa que se realizava ao longo de sete semanas, cujo início é cinquenta dias depois da Páscoa. Ocorria nesse período a colheita da cevada e do trigo, como se pode observar nos textos do Pentateuco, sobretudo em Números (cf. Nm 28,26) e em Deuteronômio (cf. Dt 16,9-12).
2) Festa das Primícias: também denominada festa dos frutos, pois se inicia com a colheita dos frutos dos pomares, mas também dos campos abertos. Seu nome está relacionado com a oferenda dos primeiros frutos que são entregues no Templo (cf. Nm 28,26), como forma de gratidão a Deus pelo sucesso das colheitas.
3) Festa de Pentecostes: essa designação se refere ao período cronológico, isto é, cinquenta dias depois da celebração da Páscoa. Também se identifica como Festa da Torá, pois, na subida ao Monte Sinai, Moisés recebeu as “tábuas da lei”; nesse local, ele se iluminou do Espírito divino, para depois ensinar o povo eleito. O título “pentecostes” relaciona-se ao período judaico dos últimos três séculos, quando a cultura grega dominou toda a região do Oriente Médio.
Esses títulos dão o significado da festa, em suas várias dimensões, nas quais o espírito de Deus se revelou ao povo em sua caminhada, iluminando-o em sua trajetória rumo à Terra Prometida. Vale lembrar que, originalmente, a festa de Pentecostes era uma celebração agrícola, uma vez que se ocorria nos campos, nas plantações e nas colheitas da cevada e do trigo.
A festa do Espírito
Assim como nossa festa do Espírito Santo é cativante e alegre, também o Pentecostes judaico obedecia a um ritual muito envolvente. O festejo iniciava-se com um gesto expressivo para as colheitas, quando uma foice era lançada solenemente contra as espigas (cf. Dt 16,9). Não se podia colher todas as espigas, devendo-se deixar sobras nos campos, para que os mais pobres pudessem respigar. Assim, imediatamente após o final da colheita, algumas mães carentes com seus filhos vinham colher espigas deixadas para trás. Após esse gesto com a foice, o povo caminhava para o lugar do culto, para a celebração (cf. Ex 23,17). Em seguida, reuniam-se os fiéis com suas famílias, acolhendo os pobres e os estrangeiros (cf. Dt 16,11). Essa “santa convocação” (Lv 23,21) era muito especial, uma vez que todos eram convidados a desfrutar intensamente a festa.
No centro da cerimônia, era apresentado o feixe de trigo, símbolo da oferta a Deus, em forma de gratidão, pois Ele é o doador da terra e, mais que tudo, a fonte de todo bem (cf. Lv 23,11). Uma parte era ofertada em forma de oblação, em uma fogueira como incenso agradável, e outra parte era partilhada entre os agricultores. Em todo ritual, a espiritualidade da gratidão era constante, recordando-se os dons da terra, a libertação da escravidão e a renovação da Aliança.
As características da celebração revelam o espírito de Pentecostes, por sua alegria e solenidade (cf. Dt 16,11), com a unidade divina, ainda que de forma ecumênica, aberta a todos familiares, os pobres, os estrangeiros (cf. Dt 16,11). É a festa da fraternidade e dos laços comunitários, unindo todos os povos.
Espírito Santo, uma pessoa divina
A grande manifestação do Espírito Santo deu-se na reunião dos Apóstolos com Maria no Cenáculo, quando todos rezavam nos dias pós-ascensão. Há muitas manifestações do Espírito Santo, entre as quais se destaca Sua presença no convite a Maria, na encarnação, bem como no Batismo de Jesus, em forma de pomba. Sua expressão é normalmente fogo ardente, vento suave que sopra, luz resplandecente, entre outros exemplos.
Este acontecimento excepcional é o ponto de partida da missão da Igreja no mundo. De fato, Jesus havia preparado os Discípulos para continuar Sua missão depois da ressurreição (cf. At 1,3). Quando lemos o terceiro evangelho, Lucas deixa bem claro que nele relata a missão de Jesus Cristo no mundo e o aprendizado de Seus seguidores. Ao final do evangelho, temos o relato da volta de Jesus ao Pai, que segue, como se fosse um segundo livro, as atividades evangelizadoras dos Apóstolos, inauguradas e fortalecidas pelo fogo do Espírito Santo. Havia, para tanto, um comando do próprio Cristo, antes da Ascensão (cf. At 1,4-5). É preciso estar juntos para acolher o dom do Espírito Santo. Foi assim que eles se reuniram em oração com Maria no Cenáculo, à espera desse grande presente (cf. At 1,14). Se não estivessem juntos, não estariam aptos para receber o Espírito.
Pela espiritualidade e pelo sentido eclesial, “permanecer juntos” é a condição exigida por Jesus para enviar o sagrado dom do Espírito Santo. A certeza de que estavam unidos é a concórdia e a oração comum. Sem essa unidade, o Espírito pouco nos ilumina, pois a divisão é uma barreira para que a luz divina penetre em nossas vidas e em nossa comunidade. Somente juntos podemos realizar nossa missão. Como podemos pretender ser iluminados por Cristo se muitas vezes vivemos segregados e divididos em nossa comunidade? A eficiência missionária e evangelizadora depende de nossa unidade espiritual e pastoral. Unidos somos mais fortes, pois, desse modo, nós nos tornamos templo eclesial do Espírito Santo. A Festa do Espírito Santo, festa da luz e da alegria, deixa-nos algumas lições fundamentais:
a) Aprender e viver a fraternidade: é força do Espírito que nos ensina a viver a unidade como irmãos. Somente o Espírito Santo pode refazer a unidade da “veste rasgada de Cristo ao longo dos séculos”. A fraternidade é o laço que revela sua presença real em nossa vida.
b) Aprender e viver o compromisso: é exigência do Espírito que caminhemos na direção dos irmãos e formemos comunidade, servindo a todos, sobretudo os mais pobres. Ele é um rio de graças que nos encaminha para o encontro dos irmãos, para sermos um, como Deus é único na Trindade. Aprendemos que Deus sustenta as forças que regem o Universo em harmonia e no encontro com os irmãos.
c) Aprender e viver a partilha: o Espírito não é posse de ninguém e não se deixa aprisionar. Ele nos leva a abrir o coração para recebermos os dons divinos que estão dispersos em toda criação. A partilha dos bens da criação nos leva a dividir os bens do Espírito. Partilhar é um sinal patente daqueles que estão possuídos pelo verdadeiro espírito e O colocam em prática.
d) Aprender e viver a gratidão: o Espírito ensina-nos mais do que pedir, principalmente a agradecer. Assim como os antepassados louvavam a Deus pelos dons da terra e das colheitas, sejamos gratos pelas dádivas divinas que habitam em nós, pela graça do Senhor. Uma pessoa espiritualizada sabe ser grata e aprende a louvar como forma maior de gratidão.
O Espírito vive em nós
Nos últimos tempos, ou melhor, nas últimas décadas, um grande movimento de espiritualidade invadiu nossas comunidades, os grupos de oração e nossas liturgias. Depois de séculos nos quais nossa espiritualidade era mais recatada, foi-se despertando nos fiéis uma abertura ao Espírito. Esses agrupamentos, normalmente denominados pentecostais, foram-se expandindo no horizonte da Igreja e se tornaram preponderantes. Surgiram tantos grupos e movimentos, por vezes denominados ministérios, que alegram as liturgias e os encontros com muitas canções emocionantes e pregações inflamadas. No entanto, não podemos omitir que tantas vezes beiraram o exagero com insistência em “milagrismos” e profusão de línguas, promovendo desvios teológicos e pastorais.
Todos nós esperamos por milagres e necessitamos de acontecimentos especiais e radicais em nossas vidas pessoais. No entanto, sua fixação e sua propagação podem levar ao esvaziamento da fé, quando seus interesses não se realizam concretamente. Isso é um parêntese, pois o que importa é que a força do Espírito Santo e sua valorização na Igreja serviram para animar a espiritualidade de tantos fiéis acomodados e desintegrados de sua religiosidade.
Os grupos pentecostais trouxeram muita alegria e dinamismo para as comunidades, com seus cantos harmoniosos, suas letras cativantes e seus apelos emocionais. Que o mesmo Espírito ajude as comunidades a permanecer fiéis e a sustentar a fé mesmo na adversidade. O Espírito vive em nós e sempre há de nos animar intensamente.
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Sete Dons do Espírito Santo
Não é difícil entender a nomenclatura dos sete dons do Espírito Santo, representados em nossas celebrações por meio de castiçais acesos, pombas, línguas de fogo e outros ornamentos. Tais sinais são significativos para recordar a plenitude da força do Espírito. Por certo, os dons espirituais são infinitos e nos tocam em todas as dimensões de nossa vida, mas a tradição solidificou esse valor. Esse número está presente nos textos bíblicos e se referem aos dias da criação, às sete igrejas e às sete colinas da revelação divina. Na tradição, nós os encontramos como o número dos sacramentos, os sete pecados capitais e os sete dons.
Os estudiosos denominam o “sete” como número clausus (pleno, perfeito), pois é a junção dos quatro componentes da natureza (fogo, ar, água e terra) ou ainda os pontos cardeais, somados às pessoas da Trindade (plenitude espiritual). Encontramos ainda como o somatório das virtudes humanas (fortaleza, justiça, prudência e equilíbrio) e as teológicas (fé, esperança e caridade). Deste modo, os sete dons do espírito (sabedoria, inteligência, conselho, ciência, fortaleza, piedade e temor de Deus), inspirados no livro sagrado de Isaías (cf. Is 11,2-3), são presentes de Deus em nossa vida e nos elevam ao encontro com Ele.
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Pe. Antônio Sagrado Bogaz – João Henrique Hansen
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