Santo Antônio A Quaresma e a Páscoa

mar 5, 2023Assinante, Caminhando Hoje com Sto. Antônio, Março 2023, Revistas0 Comentários

Em março, comemoramos a Quaresma, cujo auge é a Semana Santa, que culmina no Tríduo Pascal da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. Esse é o principal mistério de nossa fé cristã, católica. Dele, dependem todas as celebrações de nossa Liturgia, tanto na importância quanto no calendário. Como a Igreja Católica, na Liturgia, segue-se o ano lunar (não ano solar, como o ano civil), e as datas das celebrações sempre mudam…
Por isso, a festa da Páscoa é móvel, assim como todas as demais celebrações.

Na vida de nosso querido Santo Antônio de Lisboa e Pádua (1195-1231), ficaram famosas a Quaresma e a Páscoa de 1231. Suas pregações eram diárias: durante o desenrolar delas, havia quinze frades à disposição para confissões dos fiéis, aos quais se juntava o próprio frade após o término da pregação. Inicialmente, as cerimônias começaram na igreja, mas, aos poucos, os religiosos decidiam ir até a praça, tão grande era a multidão que, de todos os lados, acorria a Pádua.

Nesses momentos, a voz de frei Antônio, altissonante e potente, fazia-se ouvir por todos os cantos, auxiliada, sem dúvida, pela atenção e pelo silêncio dos fiéis, que não queriam perder nem uma palavra do grande pregador. Todos o acompanhavam com profundo silêncio e respeito.
Nessas ocasiões, havia pessoas de todos os tipos e classes sociais. Segundo relatos, o próprio bispo dom Tiago Jacopo e alguns padres faziam questão de se sentar nos primeiros bancos, instalados conforme as necessidades, pelos frades conventuais. E os padres diocesanos, com alegria, dispunham-se também a atender às confissões.

Frei Antônio retirava suas reflexões dos textos da liturgia diária e sabia encantar os ouvintes com sua interpretação dos conteúdos, mas, sobretudo, da mensagem de vida, haurida das Sagradas Escrituras e trazidas à vida cotidiana dos fiéis. Muitas pessoas saíam das pregações e corriam piedosamente para ajoelhar-se aos pés dos sacerdotes, confessar seus pecados e dispor-se a uma vida melhor de amor a Deus e ao próximo.
Durante as pregações, infelizmente, não houve uma pessoa para transcrever os sermões de Santo Antônio ipsis litteris. Sem dúvida, isso teria sido muito útil para nós, leitores e admiradores do santo. Para tentar solucionar esse problema, apresentamos a seguir um dos sermões transcritos na aula ministrada por ele na Universidade de Bolonha, em 1224, aos frades franciscanos e demais interessados.

É o “Sermão do Domingo da Septuagésima” (segundo o linguajar litúrgico da época, atualizado e substituído na nomenclatura pelas diversas reformas litúrgicas, sobretudo a partir do Concílio Vaticano II, realizado de 1962 a 1965). Consiste-se no nono domingo antes da Páscoa e o terceiro antes da Quaresma (correspondendo atualmente a nosso Domingo do Tempo Comum).

O trecho, retirado do Evangelho segundo São Mateus, era o seguinte: “Chegando à casa do chefe, Jesus viu os flautistas e a multidão agitada e disse: ‘Retirai-vos! A menina não morreu; ela dorme!’ Mas eles zombavam dele. Afastada a multidão, ele entrou, pegou a menina pela mão e ela se levantou” (Mt 9,23-25).

Chegando à casa do chefe. Toda pessoa deve ser um chefe, que manda sobre si mesmo. Sua casa é a consciência: a ela, chega o Senhor quando lhe dá a graça de reconhecer a própria culpa e, conhecendo-a, envergonhar-se.

Jesus viu os flautistas e a multidão agitada e disse: “Retirai-vos”. Quando visita com a graça a consciência da pessoa, Jesus ordena ao prazer dos sentidos e ao tumulto dos pensamentos que se afastem.

“Retirai-vos! A menina não morreu, ela dorme”. Realmente, para Jesus, a garota só está adormecida, Ele que podia tão facilmente ressuscitar da morte quanto de um sono. Ressalta-se que dupla é a morte da alma: tanto do pecado quanto do inferno. A morte do pecado pode ser chamada de sono, porque, durante a vida presente, a pessoa pecadora pode ressurgir do pecado tão facilmente como de um sono.

Posteriormente, São Paulo apóstolo escreveu na Epístola aos Efésios: “Desperta pela contrição, tu que estás dormindo no pecado. Levanta-te com a confissão, dentre os mortos, isto é, das obras más, e Cristo te iluminará!” (Ef 5,14).

É importante observar também que a jovem é chamada de “menina”, não de anciã. A alma, que ainda não está oprimida pelo perdurar dos maus hábitos, mas apenas adormentada no pecado como uma principiante, bem jovem, facilmente pode ressurgir para a vida da graça. A menina morreu e ressuscitou em casa; não foi levada para a sepultura fora da porta, pois a alma que morreu na casa da consciência e não foi ainda transportada para a porta da ação ou depositada na sepultura dos maus hábitos pode voltar facilmente à vida!

• Mas eles zombavam de Jesus. Quando a graça de Jesus Cristo inspira a alma a se arrepender e ressurgir do pecado, os flautistas (isto é, o prazer físico dos sentidos e o povo em agitação, quer dizer, o tumulto interior dos pensamentos) põem-se a rir. Sobre isso, disse Jó: “O avestruz zomba do cavalo e do cavaleiro” (Jó 39,18). A ave em questão simboliza o forte prazer da carne que zomba do espírito e da graça que procura conduzir o espírito no caminho da vida, para alcançar o prêmio da glória celeste. E ironiza apresentando-lhe a fragilidade natural, o rigor da abstinência e a aspereza da penitência, mostrando-lhe que jamais conseguirá perseverar nelas.

E o evangelista continua:

Afastada a multidão, Jesus entrou. E importante observar a ordem das palavras: antes de tudo, Ele afasta a multidão, depois entra. Exatamente como diz o Senhor pelo profeta Oseias: “Farei desaparecer do país o arco, a espada e a guerra. Farei adormecer com segurança os habitantes” (Os 2,18). Ressalta-se que o arco representa a sugestão enganadora do diabo, a espada expressa o pensamento tumultuoso do coração e a guerra exprime o prazer desenfreado dos sentidos. O Senhor faz desaparecer essas coisas quando expulsa da casa da consciência a turba tumultuante dos pensamentos. Em seguida, entra ali Jesus e, entrando, leva a paz! Assim Ele faz adormecer, isto é, descansar com segurança!

Jesus pegou a menina pela mão. Ele a segura pela mão porque sua misericórdia doa a graça do querer, conhecer e poder. Esse fragmento está de acordo com o que diz Zacarias: “As mãos de Zorobabel lançaram os fundamentos deste Templo, as mesmas mãos irão terminá-lo” (Zc 4,9). Zorobabel quer dizer ‘mestre da Babilônia’ e é símbolo de Jesus, que veio restaurar o mundo e ressuscitar a jovem. Sua mão de misericórdia é fundamento do Templo, quando dá a graça de conhecer e querer. Finaliza-o quando dá a graça de poder.

E Jesus disse: “Menina, levanta-te! E ela se levantou”. Aqui, destaca-se a concordância com Miqueias, em que a alma, já ressuscitada pela graça, despreza os assaltos da carne, dizendo: “Não cantes vitória, minha inimiga, porque, quando caio, depois me levanto; mesmo que eu venha a morar nas trevas, o Senhor é minha luz!” (Mq 7,8).

Esse é um resumo dos Sermões de Santo Antônio! Ressalta-se que, atualmente, esse conteúdo é bem diferente da leitura bíblica feita na época de Santo Antônio, quando se fazia muito uso do sentido alegórico, de alegoria, exemplo aplicado à Palavra de Deus e ao comportamento cristão. Mas é válido porque envolve não só a razão, mas também a imaginação e os sentimentos com suas devidas aplicações à vida cotidiana.

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