“Pronto para o que der e vier” – Entrevista com dom Jaime Spengler

abr 27, 2025Assinante, Entrevista, Maio 2025, Revistas0 Comentários

Nosso entrevistado do mês é o cardeal dom Jaime Spengler, arcebispo metropolitano de Porto Alegre e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam).  O clérigo poderá participar de um eventual conclave para eleger o próximo pontífice.

Atual presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) – pelo quadriênio 2023-2027 – e do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam), arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Porto Alegre (desde 2013) e agora cardeal. Dom Jaime Spengler (1960-) talvez não imaginasse que chegaria tão longe em sua caminhada sacerdotal, quando deixou a cidade de Gaspar (SC), para ingressar na Ordem dos Frades Menores, em 1982. Anos depois, em 1990, foi ordenado sacerdote. Entre tantos desafios e surpresas ao longo dessa trajetória, a maior delas aconteceu em dezembro de 2024, quando foi nomeado cardeal pelo papa Francisco (1936-). Tomou posse do título em fevereiro de 2025, na Igreja de São Gregório Magno, na Via Magliana Nova, em Roma. Segundo a tradição da Igreja, ao ser criado cardeal, cada membro do Colégio Cardinalício recebe o título de uma igreja em Roma, simbolizando sua ligação com o papa e com a Diocese de Roma.

Com a nomeação de dom Jaime, a Igreja Católica no Brasil passa a ter oito cardeais: dom João Braz de Aviz (1947-), prefeito emérito do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica no Vaticano; dom Leonardo Ulrich Steiner (1950-), arcebispo metropolitano de Manaus (AM); dom Odilo Pedro Scherer (1949-), arcebispo metropolitano de São Paulo (SP); dom Orani João Tempesta (1950-), arcebispo metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ); dom Paulo Cezar Costa (1967-), arcebispo metropolitano de Brasília (DF); dom Raymundo Damasceno Assis (1937-), arcebispo emérito de Aparecida (SP), e dom Sérgio da Rocha (1959-), arcebispo de São Salvador da Bahia (BA) e Primaz do Brasil.

Em entrevista concedida ao Mensageiro de Santo Antônio, dom Jaime falou sobre como recebeu a notícia de sua nomeação como cardeal, sobre o trabalho desenvolvido durante as enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul, em maio de 2024, e sobre estar preparado para esse novo chamado da Igreja.

Cardeal dom Jaime Spengler, Vatican Media

Cardeal dom Jaime Spengler, Vatican Media

MSA – Como o senhor recebeu a notícia de sua nomeação como cardeal?

Dom Jaime – O anúncio da criação para compor o Colégio Cardinalício me surpreendeu. Eu estava em Roma, participando da segunda Sessão do Sínodo dos Bispos, em outubro de 2024, quando em um domingo, por meio das redes sociais, fiquei sabendo da notícia.

MSA – Quais são os principais desafios que esse novo cargo na Igreja Católica trazem para o senhor?

Dom Jaime – Cada época da história possui desafios característicos. Temos presente o que diversos pensadores afirmam quando dizem que vivemos em uma sociedade líquida; que estamos vivenciando uma mudança de época; que estamos passando de uma sociedade do cansaço para uma sociedade do medo. O que tais afirmações indicam possui vários desdobramentos. No entanto, podemos dizer que o tempo presente está marcado pelo enorme desafio de transmitir a fé às novas gerações com uma linguagem adequada.
Há indicações provenientes de área da ciência médica, mostrando que quem tem até mais ou menos dezesseis, dezessete anos, possui uma estrutura lógica mental distinta das gerações anteriores. A razão dessa realidade estaria na
influência do mundo digital sobre as novas gerações. É verdade que fé é graça. É também certo que o testemunho pessoal e as relações no interior da comunidade são elementos fundamentais para o anúncio da mensagem cristã. Porém, também se faz necessária uma linguagem que corresponda aos desafios do tempo presente, sem esquecer o essencial da mensagem.

MSA – O Brasil conta, agora, com oito cardeais, sendo sete com menos de oitenta anos, os quais podem participar de um eventual conclave. Em sua opinião, o Brasil passa a ter um peso maior nas decisões da Igreja?

Dom Jaime – Antes de tudo, temos de ter presente que a criação de cardeais para compor o Colégio dos Cardeais é decisão pessoal do papa. O Colégio tem a missão de colaborar mais estreitamente com o sucessor de Pedro nas questões mais importantes da vida da Igreja. Tem também a missão, se for o caso, de escolher um novo sucessor de Pedro. Certamente, o número dos que possuem uma mesma nacionalidade pode ser visto como um reconhecimento da respectiva nação no contexto universal da Igreja. Ao mesmo tempo, esse dado aponta para uma responsabilidade ainda maior dos que foram chamados para tal missão.

MSA – Após ser nomeado cardeal, o senhor também passa a ter chances de ocupar o maior cargo dentro da Igreja Católica. Como considera tal possibilidade? Sente-se preparado para esse eventual chamado?

Dom Jaime – Não se trata de me sentir ou não preparado para esse chamado. Creio que, quando assumimos uma forma de vida, seja na vida matrimonial, seja na vida consagrada, seja no ministério ordenado, temos de estar prontos para “o que der e vier”. Há sempre o desafio de considerar a própria consciência! Mas não podemos também olvidar um princípio de fé: cremos que quem conduz a Igreja é o Espírito Santo. Quem inspira e orienta os que são chamados a tamanha decisão deve se deixar guiar pelo Espírito de Deus. Portanto, não se trata de se sentir mais ou menos capaz! Além disso, cremos que o
Espírito de Deus inspira e escolhe cada pessoa certa, para as exigências de um tempo certo.

Dom Jaime recebendo o tradicional barrete das mãos do Papa Francisco, Gregorio Borgia / AP

Dom Jaime recebendo o tradicional barrete das mãos do Papa Francisco, Gregorio Borgia / AP

MSA – Seu trabalho sempre esteve ligado às questões ecológicas e ao desenvolvimento sustentável. De que maneira a Igreja Católica, ou a Arquidiocese de Porto Alegre, pode contribuir para esse debate com a sociedade?

Dom Jaime – É muito bela a expressão do autor do livro do Gênesis quando diz que, ao final da criação, Deus viu que tudo era muito bom (cf. Gn 1,31)! Conservar e promover essa beleza é tarefa do ser humano de todos os tempos. Recentemente, o papa Francisco nos recordou algo que está presente na narração da criação e que também a ciência moderna tem promovido: tudo está interligado! É inerente à tarefa evangelizadora da comunidade de fé anunciar, promover e educar para tal compreensão e princípio. Trata-se de um trabalho para o qual cada geração é sempre convidada a desenvolver de novo, isto é, continuamente e de forma renovada.

Cardeal dom Jaime Spengler, Vatican Media

Cardeal dom Jaime Spengler, Vatican Media

MSA – Vivemos um momento em que a crise climática é uma realidade que afeta o Brasil e o mundo (por exemplo, em maio de 2024, a Arquidiocese de Porto Alegre sofreu com o impacto das grandes enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul). De que forma a Igreja, como instituição que atua entre as comunidades, pode auxiliar a reverter esse quadro?

Dom Jaime – A tragédia climática de 2024 que se abateu sobre o Rio Grande do Sul, com graves desdobramentos também na região metropolitana de Porto Alegre, é expressão das dores de parto que a natureza sofre. O trabalho da Igreja é, sobretudo, promover a consciência sobre a necessidade de cuidado e o bom senso no uso dos bens da natureza. Nesse sentido, não se pode esquecer de que o planeta pode subsistir sem o ser humano. No entanto, o ser humano não sobrevive fora do planeta.

MSA – Nos últimos anos, a Igreja trouxe à luz alguns temas, mesmo que de maneira discreta, como a inclusão de pessoas LGBTQIA+ na comunidade católica, a participação de mulheres no diaconato e até a revisão do celibato dos padres. Como o senhor vê a abordagem dessas temáticas?

Dom Jaime – A Igreja possui uma bela e rica tradição. A referência maior para a ação evangelizadora será sempre a Boa-Nova anunciada pelo “homem que passou por entre nós fazendo o bem” (At 10,38) e “que fazia bem todas as coisas” (Mc 7,37). Há aspectos da vida da Igreja que
dizem respeito à disciplina eclesiástica. Há outros que dizem respeito à constituição hierárquica da Igreja. A disciplina pode ser reavaliada; a questão hierárquica tem uma abordagem própria. Como comunidade de fé, fiel ao Evangelho, a Igreja ouve, acolhe e integra toda pessoa que se dispõe a seguir Jesus Cristo. É bela a expressão usada pelo autor da Carta aos Hebreus, quando afirma que “Jesus não veio se ocupar com anjos, mas com a descendência de Abraão” (Hb 2,16). Ao mesmo tempo, não se pode olvidar que o seguimento do Senhor possui exigências que requerem determinação! Todo ser humano, no ‘lusco-fusco’ do cotidiano, é convidado a acolher a mensagem do Evangelho em sua integralidade e a testemunhá-la em seu dia a dia.

MSA – Um dos principais desafios da Igreja Católica, atualmente, diz respeito à inclusão de jovens. De que forma isso pode ser feito? Há exemplos bem-sucedidos em diversos lugares do mundo que podem ser adotados pela Igreja?

Dom Jaime – Todo jovem traz sonhos! É movido pelo entusiasmo, pelo desejo de transformação do mundo e da sociedade para melhor. Também promove com mais facilidade iniciativas e inovações. Creio que uma indicação plausível é a necessidade de a juventude ter referências e referenciais seguros. Nesse sentido, comunidades de fé, em que se vive a fé com alegria, autenticidade, com exemplos concretos de solidariedade e espírito de acolhida, são lugares que atraem, desafiam e interpelam.

MSA – Em 2025, a Igreja Católica está celebrando o Ano Jubilar. Como a Igreja no Brasil tem vivenciado essa celebração?

Dom Jaime – “Peregrinos de Esperança”! O tema deste Ano Jubilar é de atualidade ímpar. Entre as múltiplas caracterizações da sociedade atual, provenientes do âmbito acadêmico e da cultura em geral, o tema escolhido para este Ano Jubilar vem ao encontro da necessidade das pessoas na atualidade. Esperança não é sinônimo de otimismo, muito menos expressão de uma espécie de ‘autoajuda’. Para nós, cristãos, esperança aponta para alguém capaz de oferecer sentido às alegrias e esperanças, às dores e angústias da sociedade atual.
A Igreja do Brasil, ao longo da história, sobretudo nas últimas décadas, tem-se empenhado para levar a termo a missão que recebeu do Senhor: anunciar a todos o Evangelho, convidando cada homem e cada mulher de boa vontade a serem ‘sal da terra’, ‘luz do mundo’, fermento de transformação!

Cardeal dom Jaime Spengler tomou posse do título da Igreja de São Gregório Magno na Magliana Nova, em Roma (Itália), Vatican Media

Cardeal dom Jaime Spengler tomou posse do título da Igreja de São Gregório Magno na Magliana Nova, em Roma (Itália), Vatican Media

MSA – Como o tema deste Ano Jubilar (escolhido pelo papa Francisco) deve ser trabalhado na prática?

Dom Jaime – Há, certamente, variados modos de promover a temática escolhida para este Ano Jubilar. Eu ousaria aqui indicar um: promover a constituição de grupos de oração, grupos de leitura orante da Palavra ou pequenas comunidades (não importa aqui o título que se dê a tais grupos!) que se dediquem ao aprofundamento, ao conhecimento e à oração da Palavra, partindo dos Evangelhos e passando pelos Atos dos Apóstolos. Creio que a renovação e a promoção da vida comunitária passam pelo confronto pessoal e comunitário com a Palavra de Deus! A Palavra é luz para nossos passos! Seremos ‘Peregrinos de Esperança’ se a Palavra pautar nossas escolhas, nossas decisões e nossos compromissos.

“Cremos que quem conduz a Igreja é o Espírito Santo. Quem inspira e orienta os que são chamados a tamanha decisão deve se deixar guiar pelo Espírito de Deus”
(Dom Jaime Spengler)

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