Os estigmas de São Francisco de Assis Por um excesso de amor (Parte 2)

ago 31, 2024Assinante, Encontro com a Espiritualidade Franciscana, Revistas, Setembro 20240 Comentários

Como citado em edições anteriores, desde 2023, a Família Franciscana vem celebrando os oitocentos anos de significativos momentos que marcaram a vida de São Francisco de Assis.
Em 2024, celebram-se oito séculos de sua estigmatização, ocorrida no Monte Alverne, localizado na província italiana de Arezzo.
O presente artigo faz uma abordagem desse importante evento e também apresenta uma reflexão sobre São Francisco e o desejo constante de estar com Cristo, seguindo fielmente Seu Evangelho.

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Certamente, o frade franciscano Tomás de Celano (1200-1265) estava a par da Carta de Frei Elias (apresentada no artigo anterior), quando foi encarregado pelo papa Gregório IX (1145-1241) de escrever a biografia de São Francisco de Assis (1182-1226): “Dois anos antes de entregar a alma aos céus, de fato, em um eremitério que chamamos de Alverne, Francisco, o amigo de Deus, teve a visão de um serafim com seis asas, no ar sobre sua cabeça, fixado em uma cruz pelas mãos e pés. Duas asas elevavam-se acima de sua cabeça, duas se abriam para voar e duas, enfim, protegiam todo o corpo. […] Alegrava-se do olhar cheio de graça com que o olhava o Serafim de beleza inacreditável. Mas o fato de estar fixado na cruz o aterrorizava. Inquieto, ele refletia sobre o que essa visão podia designar, e seu espírito atormentou-se bastante para tentar encontrar seu significado. […] Neste tempo, começaram a aparecer em suas mãos e pés marcas de pregos, como ele havia visto anteriormente no homem crucificado acima de sua cabeça. […]” (1Celano 72-73)1.

Segundo o biógrafo, poucas pessoas puderam contemplar a sagrada ferida (localizada do lado direito do peito). Frei Elias pôde vê-la de algum modo. Não menos privilegiado foi frei Rufino, que, certa ocasião, pôde tocá-la. Com esse contato, tão grande dor afligiu o santo que, afastando a mão que o tocara, clamou ao Senhor para que o poupasse desse sofrimento (cf. 1Celano 74)2.

Porém, São Francisco sempre ocultava os prodígios aos olhos dos irmãos e amigos, de forma que, durante muito tempo, ninguém ficou sabendo dos estigmas, nem mesmo os mais íntimos (com exceção de frei Leão). Sempre foi discretíssimo. “Temendo que, por causa de sua familiaridade com alguém, ele pudesse perder a grande graça que lhe havia sido concedida” (1Celano 74)3.

Foto EspiritualidadeFranciscana 02set24msaSão Francisco, o homem do desejo

Para finalizar este artigo, trazemos uma explanação do teólogo português José Tolentino de Mendonça (1965-) sobre o desejo: “A sociedade de consumo, com suas ficções e vertigens, promete satisfazer tudo e todos e falaciosamente identifica a felicidade com o estar saciado. Saciados, cheios, preenchidos, domesticados − assim estamos, resolvidas na festa do consumo as nossas necessidades (ou o que pensamos que sejam). A saciedade que se obtém pelo consumo é uma prisão do desejo, reduzido a um impulso dede satisfação imediata. O verdadeiro desejo, porém, é estruturalmente assinalado por uma falta, por uma insatisfação que se torna princípio dinâmico e projetivo. O desejo é literalmente insaciável porque aspira aquilo que não se pode possuir: o sentido. Nessa linha, o desejo não se sacia, mas aprofunda-se”4.

São Francisco é o homem do desejo. Conhecemos seu encontro com o Evangelho da missão na pequena igreja de Nossa Senhora dos Anjos, pleno de entusiasmo e ardor. Quando percebeu que sua missão seria andar pelo mundo anunciando a Boa-Nova, exclamou: “É isso o que quero, que desejo de todo o coração”. Simplesmente enamorou-se por Jesus e não possuía outro desejo senão torná-Lo Amado. Esse desejo plenificou totalmente sua alma.

Diversos biógrafos insistem em afirmar que o Poverello precisava pôr em prática tudo o que ouvia. Desejo casa-se com fogo e com ardor. Não foi por acaso que ele foi denominado “Serafim de Assis” (em hebraico Saraph, que significa ‘queimar’). A impetuosidade do desejo sempre foi a marca de sua vida. Desde a juventude, teve a cabeça cheia de sonhos e de desejos que buscava concretizar. Aos poucos, estes foram sendo purificados. Passou a procurar não o Servo, mas sim o Senhor. Encantou-se pelo Senhor marcadamente pobre. Quando abraçou os hansenianos, passou a experimentar uma reorientação radical de sua vida. Foi uma mudança dos tons do desejo. Intensificou-se o Amor e iniciou-se um processo de identificação do amigo com o Amigo, do amante com o Amado.

As Sagradas Escrituras apresentam alguns personagens marcados pelo desejo: Elias, João Batista, zelosos e ardorosos, e o próprio Cristo, possuído de zelo pela casa e pela causa do Pai. Certos místicos afirmam que o desejo está na base da santidade. Ninguém se torna santo pela repetição da mesmice. Em um incêndio de amor, São Francisco consuma-se no momento da estigmatização. No final da vida, todas as suas faculdades estão orientadas para Deus, o Santo, o único que opera maravilhas, o Bom e o Bem, o Forte, o Todo-Poderoso.

 

Notas

1 FASSINI, Dorvalino Francisco (coord.). Fontes Franciscanas. 2. ed. Santo André: Editora O Mensageiro de Santo Antônio, 2020. p. 1570.
2 FASSINI, op. cit., p. 1571.
3 Ibidem, p. 1571.
4 MENDONÇA, José Tolentino de. Libertar o tempo: para uma arte espiritual do presente. São Paulo: Paulinas, 2017. p. 70.

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