O primeiro papa não foi São Pedro

ago 26, 2024Assinante, Igreja em renovação, Revistas, Setembro 20240 Comentários

Calma, caros leitores! Vamos destrinchar a afirmação do título deste artigo. Primeiramente, esclarecendo que, no presente texto, estamos nos referindo ao título de “papa”, ou seja, não é um conteúdo que põe em xeque a jurisdição própria do Bispo de Roma o qual, de acordo com a tradição da Igreja Católica, é sucessor do apóstolo Pedro. Dito isso, vamos à análise das fontes históricas.
Na Igreja Primitiva, o Bispo de Roma (pelo menos até o século V) não era o único a ser chamado dessa forma. Os episcopos (‘líderes’) de outras comunidades cristãs, alguns presbíteros e até abades eram denominados dessa forma.

Isso porque o substantivo “papa” (do grego pappàs) significa ‘pai’ e era uma forma carinhosa com a qual os primeiros cristãos, principalmente em âmbito oriental, tratavam suas respectivas autoridades religiosas.

Em sua História Eclesiástica, Eusébio de Cesareia (265-399) escreveu: “Recebi esta regra e este modelo do nosso beato papa Heráclio”. Aqui, o historiador cristão primitivo se refere ao bispo de Alexandria, Heráclio (180-247). Por esse motivo, até hoje, o Patriarca de Alexandria, líder da Igreja Copta, também é chamado de “papa”. Essa fonte é um exemplo de que, na parte oriental do Império Romano, era comum a utilização do título para se referir a qualquer bispo local.

Por isso, nós, em nosso ofício de historiadores da Igreja, preferimos utilizar o termo “Bispo de Roma” quando tratamos desse período histórico específico, uma vez que a palavra “papa” ainda não era utilizada exclusivamente pelo líder da Igreja Católica.

É importante ressaltar que, em nenhum texto escrito por Padres da Igreja provenientes da parte ocidental do Império Romano, aparece esse tipo de tratamento. E, em raros casos, por influência, justamente, dos correligionários orientais, o líder dos cristãos na capital do Império Romano era denominado extraoficialmente de “papa”.

A prova disso está no epitáfio do diácono Severo, encontrado nas Catacumbas de São Calisto, em Roma, no qual aparece a seguinte frase: “O diácono Severo fez este duplo cubículo com seus arcossólios e suas luminárias por mandato do seu papa Marcelino, como digna mansão da paz”.

 

Foi somente a partir do século XI, por exigência do então pontífice, São Gregório VII, […] que o uso exclusivo do título “papa” se transformou em lei

Na Igreja em Roma, essa alcunha passou a ser utilizada com mais frequência a partir do século V, sob o pontificado do papa Dâmaso I (305-384), o primeiro a também ser chamado de “Sumo Pontífice”, após o imperador Teodósio (347-395), a partir do Édito de Tessalônica (380), estabelecer que renunciaria ao título pontifex e o concederia ao papa reinante.

Porém, foi somente a partir do século XI, por exigência do então pontífice, São Gregório VII (1020-1085), em meio ao longo debate em relação ao uso do poder temporal por parte do líder da Igreja Católica e os fundamentos do primado papal, que o uso exclusivo do título “papa” se transformou em lei. O documento Dictatus Papae (‘afirmações de princípio do papa’ ou ‘decretos do papa’), possivelmente escrito em 1075, estabelece, em seu artigo XI: “Quod hoc unicum est nomen in mundo” (‘Que este título seja único no mundo’).

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