Em 2025, será celebrado o Ano Santo, para recordar os 1700 anos do Concílio de Niceia. O evento ocorreu entre 19 de junho e final de agosto de 325 e contou com a participação de 318 bispos, do mundo oriental de cultura grega, convocados pelo imperador Constantino, recebendo a aprovação de dois legados do papa São Silvestre I (280-335), os presbíteros Vitor e Vicente, da Igreja de Roma. No mundo, havia 1.800 bispos no ano 325 d.C1.
Os debates foram conduzidos pelo bispo Eustáquio de Antioquia (?-337) e por Santo Alexandre (?-326), bispo de Alexandria. A obra central do primeiro Concílio Ecumênico foi a redação e publicação da declaração da fé cristã, sob a forma do Símbolo ou Credo da fé, que será chamado Credo Niceno: “verdadeiro Deus do verdadeiro Deus, gerando e não criado, da mesma substancia do Pai, luz de luz (Iesum Christum Filium Dei, natum ex Patre unigenitum, hoc est de substantia Patris, Deum ex Deo, lumen ex lumine, Deum verum de Deo vero, natum, non factum, unius substantiae cum Patre, quod graece dicunt homousion)2.
Esse Credo foi lido solenemente no Concílio de Éfeso (431), promulgado como lei imperial por Constantino, o Grande (272-337), para enfrentar a heresia ariana. Os cânones definidos pelos padres foram vinte, tratando da vida do clero; do interdito daqueles que se castravam; de conflitos de jurisdição e prerrogativas das igrejas patriarcais; da interdição de clérigos viverem com mulheres, exceto suas mães e irmãs; da expulsão de clérigos que emprestavam dinheiro com juros; das mudanças de sede episcopais; da ação das diaconisas nas igrejas; dos atos de apostasia (lapsis) e dos excomungados, sob o governo tirânico de Licínio (265-325); e como fixar a data da Páscoa para superar conflitos entre a tradição da Igreja de Antioquia e o calendário lunar judaico; além dos conflitos com arianos, paulianistas, e os discípulos de Novaciano (200-258) ou cátaros; também se decidiu sobre a entrega do viático para moribundos”3.
Foi marcante a presença de bispos torturados pelos imperadores, como Paulo, bispo da Neocesareia na Mesopotâmia, que teve as mãos queimadas e paralisadas na perseguição de Licínio; o bispo São Pafnúncio (?-360), do Alto Egito, com o olho direito perfurado e os tendões de sua perna esquerda cortados, na perseguição do imperador Diocleciano (243-312). Também se pode citar o bispo Potâmio de Heraclea (300-364), que teve seu olho extirpado”4.
Celebramos a memória viva dos sessenta anos do encerramento do Concílio Vaticano II, em 8 de dezembro de 1965. Estiveram reunidos em Roma, convocados pelo papa São João XXIII (1881-1963) e, após sua morte, reconvocações por seu sucessor, o papa São Paulo VI (1897-1978), todos os bispos vivos atuantes no mundo. Foi, de fato, um novo Pentecostes. Podemos destacar as personalidades centrais: Ângelo Giuseppe Roncalli (São João XXIII), Giovanni Batista Enrico Antônio Maria Montini (São Paulo VI), Giacomo Lercaro (1891-1976), Leo-Josef Suenens (1904-1996), Helder Pessoa Camara (1909-1999), Joseph Frings (1887-1978), Pericles Felici (1911-1982), Henri de Lubac (1896-1991), Yves Congar (1904-1995), Hans Küng (1928-2021), Joseph Ratzinger (1927-2022), Karl Rahner (1904-1984), Edward Schillebeeckx (1914-2009), Jean Daniélou (1905-1974), Augustin Bea (1881-1968), Joseph Cardijn (1882-1967), Roger Schütz (1915–2005), Charles-Marie Himmer (1902-1994), Enrique Ángel Angelelli Carletti (1923-1976), Luigi Bettazzi (1923-2023), Leônidas Proaño (1910-1988), Manuel Larraín (1900-1966), Gérard Philips (1899-1972) e o patriarca Máximos IV Saiyegh (1878-1967), do Rito Melquita. Emocionante foi a entrada na sala conciliar do bispo František Tomášek (1899-1992), administrador apostólico de Praga, na República Tcheca, preso pelo então governo soviético. Sua presença pessoal impactou profundamente a todos os padres conciliares e ao próprio papa São João XXIII.
Destacamos cinco pontos desse acontecimento pentecostal inédito:
O aggiornamento (‘atualização da doutrina e prática cristãs’).
O diálogo com o mundo.
Uma nova visão e autocompreensão da Igreja como sacramento e sinal do Cristo Ressuscitado;
A perspectiva pastoral e a opção evangélica pelos pobres.
A opção evangélica pelos pobres.
Foram aprovados dezesseis documentos conciliares, sendo quatro deles Constituições Dogmáticas que se tornaram os quatro pilares da ação evangelizadora: sobre a Revelação (Dei Verbum), sobre a identidade e a missão da Igreja (Lumen Gentium), sobre a Sagrada Liturgia (Sacrosanctum Concilium) e sobre a ação pastoral da Igreja no mundo contemporâneo (Gaudium et Spes)5.
Seguem as datas de publicação dos dezesseis documentos e seus temas centrais:
- 4 de dezembro de 1963: promulgação da Constituição Dogmática Sacrosanctum Concilium: sobre a Sagrada Liturgia pelo Concílio Vaticano II, aprovada por 2.147 padres conciliares de 2.151 participantes (quatro votos negativos somente), em comunhão com o papa São Paulo VI. Esta se torna a carta magna da vida litúrgica da Igreja e de toda reforma conciliar. A liturgia tem como centro a celebração ativa do memorial da Páscoa do Senhor com louvor inteligente e orante do todo o Povo de Deus, sem clericalismos ou narcisismos.
- 4 de dezembro de 1963: promulgação do Decreto Inter Mirifica: sobre os meios de comunicação social, com 1.960 votos favoráveis e 164 contrários.
- 21 de novembro de 1964: promulgação do Decreto Unitatis Redintegratio: sobre o ecumenismo, com 2.137 votos favoráveis e onze contrários.
- 21 de novembro de 1964: promulgação da Constituição Lumen Gentium, sobre a Igreja, com votos favoráveis de 2.151 padres e cinco contrários. A Igreja passa a ser compreendida como a vida peregrina de um Povo, alimentado pela Palavra e pelos sacramentos, tendo Cristo como luz do mundo e as comunidades como sinais e reflexos dessa luz divina.
- 21 de novembro de 1964: promulgação do Decreto Orientalium Ecclesiarum: sobre as Igrejas Orientais Católicas, com 2.110 votos favoráveis e 39 contrários.
- 28 de outubro de 1965: promulgação do Decreto Christus Dominus: sobre o múnus pastoral dos bispos na Igreja, com 2.319 votos favoráveis, dois contrários e um nulo.
- 28 de outubro de 1965: promulgação do Decreto Perfectae Caritatis: sobre a conveniente renovação da vida religiosa, com votos favoráveis de 2.321 padres e quatro contrários.
- 28 de outubro de 1965: promulgação do Decreto Optatam Totius: sobre a formação sacerdotal, com 2.318 votos favoráveis e três contrários.
- 28 de outubro de 1965: promulgação do Decreto Gravissimum Educationis: sobre a educação cristã, com votos favoráveis de 2.290 padres e 35 contrários.
- 28 de outubro de 1965: promulgação da Declaração Nostra Aetate, sobre a relação da Igreja com as religiões não cristãs, com 2.221 votos favoráveis, 88 contrários e três nulos.
- 18 de outubro de 1965: promulgação da Constituição Dogmática Dei Verbum, sobre a revelação divina, com 2.344 votos favoráveis e seis contrários. A centralidade da Palavra de Deus faz da Tradição a parceira exemplar da Palavra Viva e salvadora de Deus na Igreja, servidora do mundo. A revelação evangélica manifesta-se como fruto de Sua bondade em Cristo, na história dos povos.
- 18 de novembro de 1965: promulgação do Decreto Apostolicam Actuositatem: sobre o apostolado dos leigos, com 2.340 votos favoráveis e dois contrários.
- 7 de dezembro de 1965: promulgação da Declaração Dignitatis Humanae: sobre a liberdade religiosa, com 2.308 votos favoráveis, setenta contrários e oito nulos.
- 7 de dezembro de 1965: promulgação do Decreto Ad Gentes: sobre a atividade missionária da Igreja, com 2.399 votos favoráveis e cinco contrários.
- 7 de dezembro de 1965: promulgação do Decreto Presbyterorum Ordinis: sobre o ministério e a vida dos presbíteros, com 2.390 votos favoráveis e quatro contrários.
- 7 de dezembro de 1965: promulgação do Constituição Pastoral Gaudium et Spes: sobre a Igreja no mundo atual, com 2.309 votos favoráveis, 75 contrários e dez nulos. Renasce a Igreja sensível aos novos problemas da humanidade e do mundo, construindo uma solução que corresponde às aspirações mais profundas dos povos e das culturas.
Em 1º de setembro de 2024, contamos com 5.719 bispos vivos, dos quais quatro participaram diretamente do Vaticano II. Foram quatro períodos, dez sessões públicas e 168 congregações gerais. O primeiro período, de 11 de outubro de 1962 até 8 de dezembro de 1962, deu-se em uma sessão com presença de 2.448 padres conciliares (no mundo havia 2.904 bispos). Participaram, na abertura solene, as delegações oficiais de 86 países e organismos internacionais. O segundo período, entre 29 de setembro de 1963 e 4 de dezembro de 1963, ocorreu em duas sessões, e presença de 2.488 padres (no mundo 3.022 bispos). O terceiro período, entre 14 de setembro de 1964 e 21 de novembro de 1964, dividiu-se em duas sessões, presentes 2.468 padres (no mundo 3.074). O quarto e último período, de 14 de setembro de 1965 a 8 de dezembro de 1965, realizou-se em cinco sessões, com presença de 2.625 padres (no mundo 3.093).
O total de participantes do Concílio Ecumênico Vaticano II foram 3.060 membros com voz e voto, sendo dois papas (São João XXIII e São Paulo VI), 129 superiores-gerais, doze patriarcas, dois vigários patriarcais, 122 cardeais, 398 arcebispos, 1.980 bispos, 91 prelados, setenta prefeitos apostólicos, um ordinário, 49 núncios apostólicos, 155 vigários apostólicos e 51 abades territoriais. Participaram como ouvintes 29 leigos homens e 23 leigas mulheres, 168 observadores de outras Igrejas irmãs cristãs e 480 peritos oficiais.
Da Europa, chegaram ao evento conciliar 1.059 padres de 31 países. Da Ásia, foram 408 padres de 25 países. Da África, houve 352 padres de 51 países. Da Oceania, participaram 74 padres de seis regiões do Pacífico. Das três Américas, estiveram presentes 1.036 padres de 31 países. Os superiores gerais foram 129 religiosos de ordens masculinas. Durante o tempo conciliar, morreram 225 e foram nomeados 296 novos bispos. Os ausentes giravam em torno de quinhentos bispos em cada período anual, por doença, idade avançada ou nas prisões de regimes totalitários do Leste Europeu, da China, da Coreia do Sul e da Rússia.
A Igreja do Brasil enviou 221 bispos, nove peritos e um leigo operário. Daqueles 3.060 padres, há ainda quatro vivos: Daniel Alphonse Omer Verstraete, O.M.I., belga, nascido em Oostrozebeke, bispo emérito de Klerksdorp, na África do Sul, presente na sessão quatro (100,08 anos); Francis Arinze, nigeriano nascido em Eziowelle, cardeal-bispo de Velletri-Segni, prefeito emérito da Congregação da Divina Liturgia e disciplina dos Sacramentos, presente na sessão quatro (91,83 anos); José de Jesús Sahagún de la Parra, mexicano de Cotija, bispo emérito de Ciudad Lázaro Cárdenas, em Michoacán, no México, presente nas sessões 1, 2 e 4 (102,66 anos); Victorinus Youn Kong-hi, sul-coreano nascido em Chinnamp’o, arcebispo emérito de Kwangju, na Coreia do Sul, presente nas sessões 2, 3 e 4 (99,81 anos).
Ainda há sete desafios urgentes para reformar a Santa Igreja do Cristo Jesus, em sua missão evangelizadora no século XXI:
- Estabelecimento e confirmação dos novos ministérios instituídos assumidos por pessoas batizadas nas comunidades.
- Reconhecimento das comunidades de base como estrutura primeira da Igreja em comunhão com as demais instâncias eclesiais e o bispo de Roma.
- Paróquias como rede de comunidades a serviço dos empobrecidos e vulneráveis.
- Aprovação de conselhos diocesanos de pastoral e outros organismos diocesanos como órgãos deliberativos e não só consultivos.
- Assembleias diocesanas para definir as diretrizes e as prioridades pastorais.
- Novos processos participativos na escolha dos bispos.
- Vivência da mística e do modo de ser-sinodal em toda a Igreja como maneira original de viver o seguimento de Jesus.
Assim proclamou o papa Francisco (1936-), em 2021: “O tema da sinodalidade não é o capítulo de um tratado de eclesiologia, muito menos uma moda, um slogan ou o novo termo a ser usado ou instrumentalizado em nossos encontros. Não! A sinodalidade expressa a natureza da Igreja, a sua forma, o seu estilo, a sua missão. E por isso falamos de Igreja sinodal, evitando, no entanto, considerar que seja um título entre outros, um modo de pensá-la que prevê alternativas. Não digo isto com base em uma opinião teológica, nem mesmo como pensamento pessoal, mas seguindo o que podemos considerar o primeiro e mais importante ‘manual’ de eclesiologia, que é o livro dos Atos dos Apóstolos”6.
A missão exige o gesto audaz de caminhar juntos, guiados pelo Espírito Consolador. A frase do cardeal canadense Paul-Émile Léger (1904-1991), proferida em 1968, segue atualíssima: “Hoje o caminho da Igreja é irreversível. O Concílio não terminará: a Igreja se tornou conciliar”7.
Notas
1 Cf. https://www.persee.fr/doc/rebyz_1146-9447_1925_num_24_140_4527. Acesso em: set. 2024.
2 Cf. ALBERIGO, Giuseppe (dir.). Les Conciles Oecumeniques: Les Décrets de Nicée à Latran V. Paris: Les Éditions du Cerf, 1994. p. 5. t. 2.
3 DENZINGER, Heinrich Joseph Dominicus; HÜNERMANN, Peter. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. São Paulo: Paulinas/Loyola, 2007. p. 52-53.
4 Cf. COMBY, Jean. Para ler a história da Igreja I: das origens ao século XV. São Paulo: Loyola, 1993. p. 94.
5 Cf. DENZINGER-HUNNERMAN, p. 4001–4359.
6 Disponível em: https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2021-09/papa-francisco-encontro-diocese-roma-sinodalidade.html. Acesso em: set. 2024.
7 CAPRILE, Giovanni. Il Concilio Vaticano II: il primo período (1962-1963). Roma: Edizione La Civiltà Cattolica, 1968.
p. 558. v. II.
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