A esperança, do Jubileu de 2025 às Eleições de 2024

ago 26, 2024Assinante, Igreja e Sociedade, Revistas, Setembro 20240 Comentários

Nas Eleições para Presidente de 2022, um grupo de universitários católicos do movimento Comunhão e Libertação se propôs a uma tarefa tão delicada quanto importante: cada um deles estudaria as propostas do candidato do qual não gostava, para descobrir não os erros, mas sim os pontos positivos de seu programa. Assim, poderiam dialogar entre si valorizando a posição dos amigos que pensavam diferente, em vez de só defender as próprias ideias e atacar as do adversário… Naquela eleição, não vi nenhum outro grupo fazer uma proposta de diálogo tão extrema.

O jornal O São Paulo realizou uma entrevista com um desses jovens, perguntando-lhe qual teria sido a maior lição desse exercício de diálogo. Sua resposta traz algo de desconcertante: não falou sobre o diálogo ou sobre os problemas nacionais, mas disse que eles perceberam que, na política, os brasileiros tinham perdido a esperança e que era missão dos católicos ajudarem todo o povo a recuperá-la. Na época em que li essa entrevista, lembrei-me das palavras do papa Bento XVI (1927-2022), quando perguntado sobre a defesa da vida, em seu voo para o Brasil, em que participaria da Conferência de Aparecida (2007). Também ele disse que o drama do aborto era um problema da perda do sentido da beleza e da esperança na vida, e que cabia aos cristãos ajudarem na redescoberta, mesmo nas adversidades, dessa beleza e dessa esperança.

Este ano, às vésperas de novas eleições municipais no Brasil, o papa Francisco (1936-) oferece-nos, para as comemorações do Jubileu do Ano Santo de 2025, o tema da esperança, com a Bula Spes non confundit (‘A esperança não engana’)1. Deus nunca deixa de nos apoiar em nossas dificuldades, ainda que muitas vezes não nos damos conta de Sua companhia e de Seu auxílio. Sem dúvida, o tema desse Jubileu é uma ocasião para que repensemos a política e nos convertamos mais a Cristo.

A política dos desesperançados

É um fato incontestável que o povo brasileiro – e cada um de nós – vem se decepcionando continuamente com a política e com suas lideranças, sejam políticos eleitos, sejam magistrados, sejam influenciadores… Se formos honestos conosco mesmos, veremos que as desilusões vêm de todas as posições do espectro ideológico-partidário. Em todas as partes, encontramos exemplos de pessoas que não corresponderam às expectativas e até traíram as promessas que fizeram.

O que nos passa despercebido é que essas decepções geram ressentimento, raiva e polarização. Magoados e desiludidos, nós nos fechamos ao diálogo e à solidariedade. A desesperança alimenta o extremismo e a agressividade, tornando ainda mais improvável a construção de um caminho compartilhado rumo ao bem comum.

Urna eletrônica, TSE

Urna eletrônica, TSE

Reconhecendo nosso pequeno poder pessoal, muitas vezes, nós nos entregamos a um líder político (que pode ser de esquerda ou de direita), confiantes de que ele realizará nossas expectativas. Mas, frequentemente, esses líderes nos decepcionam. Quando somos seus seguidores, tendemos a culpar a conjuntura e as forças adversárias pelas frustações. Quando somos seus opositores, consideramos que as desilusões derivam de sua incapacidade e/ou desonestidade. Seja como for, vamos nos decepcionando cada vez mais com os políticos e com sua atuação. Frustrados, temos cada vez mais dificuldade em realizar análises racionais e sensatas. Não queremos reconhecer nossos equívocos, aceitar os limites objetivos da conjuntura, e tendemos a negar a realidade, para nos protegermos da desilusão, da tristeza, da impotência e da raiva.

A construção de um povo mais consciente e comprometido com o bem comum sempre levará a um futuro melhor, mesmo que a realização demore para acontecer

Infelizmente, essas decepções não nos tornam mais sábios, mais capazes de agir politicamente de forma construtiva, mas sim mais céticos e amargos, cada vez menos comprometidos com a política e mais individualistas, ou mais raivosos e irracionais, seguindo de forma extremada a líderes populistas. De um modo ou outro, acabamos por fazer uma “política pior”, afastando-nos de Deus, que é amor e deseja nosso compromisso com o bem comum.

Os que jogam tudo na política

Há quem, já ciente dos limites das lideranças humanas, procure apostar nos processos políticos e no próprio engajamento. A construção de um povo mais consciente e comprometido com o bem comum sempre levará a um futuro melhor, mesmo que a realização demore para acontecer. Além disso, ao nos comprometermos em um processo de mudança, encontramos outros como nós, experimentamos a alegria da solidariedade e do trabalho compartilhado – um ganho já no presente, independentemente do resultado imediato.

Contudo, mesmo essa aposta nos processos pode frustrar. Por mais solidário e frutuoso que seja um processo de reconstrução depois de uma catástrofe, não poderá trazer à vida os mortos na tragédia, ou recuperar a integridade dos bens materiais e espirituais daqueles que perderam tudo. Por mais que um processo político seja justo, democrático e respeitoso com a memória dos que se foram, isso não trará os pais para os órfãos nem os filhos desaparecidos para seus pais. Nenhuma reparação, dada às gerações atuais, poderá reparar os sofrimentos daqueles que morreram escravizados…

Em uma sociedade plural, em que diferentes propostas políticas disputam a hegemonia, a aposta nos processos pode levar, novamente, à frustração e à raiva contra aqueles que defendem posições diferentes. Eles nos parecem ser não só pessoas com ideias diferentes, mas ameaças à nossa expectativa de um futuro melhor. Como perdoar quem, com suas vitórias, corrói nossa esperança?

Qual é a esperança cristã

Logo AnoJubilar2025set24“Com efeito a esperança cristã não engana nem desilude, porque está fundada na certeza de que nada e ninguém poderá jamais separar-nos do amor divino […]. Esta esperança não cede nas dificuldades: funda-se na fé e é alimentada pela caridade, permitindo assim avançar na vida”, escreve o papa Francisco, na Spes non confundit (SNC, n. 3)2. Mas não seria essa esperança ainda mais ilusória que as demais? Afinal, sabemos que os cristãos não sofrem menos que os outros seres humanos; nossas expectativas correm tanto risco de serem frustradas quanto as dos não cristãos…

A esperança cristã não se inspira na promessa de que nossas expectativas serão realizadas – como prometem os profetas enganadores que pregam a “teologia da prosperidade”. Seu conteúdo se expressa em uma passagem do Evangelho segundo São Marcos, em que Jesus diz que aqueles que O seguirem receberão o cêntuplo, “em casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, [mas] com perseguições” e a vida eterna (cf. Mc 10,29-31). Esse cêntuplo não significa cem vezes mais daquilo que queremos, mas sim cem vezes mais intensidade de vida e mais relacionamentos, amores e experiências – mas incluindo também sofrimentos e tribulações. É a promessa de uma vida que vale a pena ser vivida, não de uma vida conforme as expectativas do mundo.

O que torna possível essa esperança é o reconhecimento da ação de Deus em nossa vida. Nossa fé não é um fideísmo ilusório, na crença da força do “pensamento positivo” ou na expectativa por uma utopia futura que nunca se realiza. É o reconhecimento da companhia misteriosa de Cristo, que já transformou nossa existência. Temos esperança porque experimentamos o amor de Deus, muitas vezes surpreendente, em nossas vidas. Fatos reais, acontecidos a partir de nosso encontro com Cristo, mostram-nos que podemos ter esperança no futuro. Isso não quer dizer que as coisas acontecerão segundo nossos planos, mas sim que o amor de Deus se fará presente em nossa vida, aconteça o que acontecer.

O amor conjugal não resolve os desafios no trabalho nem os problemas da sociedade. Mas, quando verdadeiro e maduro, ajuda os cônjuges a enfrentarem todas as dificuldades. A resiliência dos pais diante das dificuldades se ancora muitas vezes na memória da existência dos filhos, pelos quais se esforçam. De modo ainda mais radical, o amor de Deus – que já experimentamos – dá sentido à vida, força nas lutas e consolo nos sofrimentos. Não gera uma esperança utópica, mas sim a certeza de que aquilo que Ele já iniciou dará frutos no futuro.

Da esperança cristã ao empenho humano

Na política, a esperança cristã não nos diz que Deus “milagrosamente” vai resolver os problemas – mas nos coloca em uma posição humana mais adequada para resolver qualquer problema. Confiantes no amor que já se manifestou em nossas vidas, temos melhores condições para escolher políticos confiáveis e investir em processos de construção do bem comum. As derrotas e as decepções não deixarão de acontecer, mas não darão a última palavra. Podemos recomeçar e rever nossas posições com mais liberdade, estamos mais livres para amar até os adversários e discernir o que constrói o bem comum. O verdadeiro perigo é termos nosso discernimento desorientado por influenciadores e demagogos, fazendo que deixemos de esperar em Cristo, para acreditarmos e seguirmos aos políticos e às ideologias.
Ao fazermos isso, em vez de levarmos ao mundo uma esperança que não decepciona, levamos mais sectarismo e ressentimento.

Importante lembrar que nossas democracias são laicas. Não podemos querer que todos professem nossa mesma esperança. Contudo, onde estivermos, somos chamados a viver e a testemunhar a experiência cristã – sem proselitismo ou arrogância, mas com verdadeiro espírito fraterno. Qualquer pessoa se torna mais esperançosa quando interage com alguém que vive uma real esperança, que não desanima, que está aberto aos demais e se esforça sinceramente para construir um futuro melhor, superando preconceitos ideológicos e posições partidárias. O verdadeiro testemunho cristão, que não é a afirmação de uma posição política mais iluminada, mas sim um modo de ser e relacionar-se que nasce do saber-se amado por Deus, já é, por si só, razão de esperança e construção de uma “política melhor” para cristãos e não cristãos.

Notas

1 Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/bulls/documents/20240509_spes-non-confundit_bolla-giubileo2025.html. Acesso em: ago. 2024.
2 Ibidem.

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