Urbi et Orbi
A geopolítica das periferias do papa Francisco

set 22, 2023Assinante, Igreja em renovação, Outubro 2023, Revistas0 Comentários

Quem diria que, algum dia, um sumo pontífice visitaria a Mongólia? Aliás, muito antes disso, quem imaginaria que o bispo local,
Giorgio Marengo (1974-), que está à frente de uma comunidade com pouco mais 1,5 mil batizados, se tornaria o primeiro cardeal do país asiático? O italiano de 49 anos, que recebeu o barrete vermelho no último consistório, realizado em agosto de 2022, é o mais jovem do colégio cardinalício, e atuava como missionário no país desde 2016.

A visita do papa Francisco (1936-) ao país asiático, como pudemos acompanhar por meio das imagens que rodaram o mundo, foi marcante. Primeiro porque o líder da Igreja Católica, mais uma vez, assume o papel de “pároco do mundo”, não de um simples chefe de Estado que organiza suas viagens para “confirmar os irmãos na fé” das grandes comunidades onde a Igreja Católica fincou suas raízes há séculos.
Não que isso não seja necessário. No entanto, durante muito tempo, muitas dessas estruturas novas foram, de fato, marginalizadas por não serem consideradas suficientemente expressivas.

No caso da Mongólia, trata-se de uma nação onde a instituição ainda não se instalou definitivamente. Muito embora haja registros da presença cristã no país desde o século XIII, questões de ordem social e política impediram que uma missão, com todos os efeitos, conseguisse se estabelecer no país. Somente em 1922, foi instalada, juridicamente, uma missão sui iuris, que, dentro do regimento da Igreja, é a forma mais embrionária de instalação de uma Igreja particular.

Tudo isso acontece sob o pontificado do papa Francisco. E tais decisões só poderiam vir dele. Com o pontífice argentino, a atenção do Vaticano se volta para as periferias. O papa entende a sinodalidade como extensão da representatividade. Por isso que, em seu governo, o sínodo – que antes era “dos bispos” – se torna o sínodo da Igreja, correspondendo, dessa forma, à sua inspiração original que remonta ao século III.
Muitos diziam que, após sua cirurgia no intestino, o pontífice suspenderia a agenda de viagens. E que talvez se limitasse somente à Jornada Mundial da Juventude, evento marcado há mais de três anos, e que se realizou em agosto, em Lisboa, Portugal.

Isso porque, após duas cirurgias, o papa Francisco ficou visivelmente debilitado. Todavia, para a surpresa geral, o anúncio de que ele visitaria a Mongólia não demorou muito para acontecer. Isso demonstra que o papa argentino quer gastar o pouco da vitalidade que ainda lhe resta em eventos que considera de extrema importância. Quer terminar seu governo se encontrando com seus “pequenos rebanhos”. Uma prioridade para ele.

O papa sabe que isso lhe custará, quem sabe, o não retorno à sua terra natal, a Argentina. Mas quer seguir até o fim a proposta de sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium: sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual, documento publicado em 2013 que traçou seu programa de governo. E lá ele ressaltava a importância de voltar-se para as periferias existenciais, geográficas e humanas. Foi também lá que enfatizou que prefere uma Igreja “acidentada” que uma Igreja-museu repleta de elementos que servem somente para a apreciação do público.

O papa Francisco conseguiu inserir o Vaticano no tabuleiro geopolítico mundial novamente por causa desse impulso em direção ao sul global. Ao tratar de temas ligados ao meio ambiente e à pobreza, bem como focar em tantas outras questões sociais, dá protagonismo a quem nunca foi protagonista. Há muito um pontífice não conseguia se destacar como liderança global, e ele logrou esse feito.

O papa sabe que o mundo de hoje não precisa de um “papa-rei”, mas de um líder em um cenário tão carentede referências.

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