Há duas solenidades cristãs celebradas pela Igreja com especial desvelo: o Santo Natal e a Santa Páscoa! Como preparação imediata ao Santo Natal, temos o Tempo de Advento, constituído normalmente de quatro domingos (ressalta-se que o quarto domingo, geralmente, coincide com o dia 24, em cuja noite se celebra o Santo Natal).

Antes da Santa Páscoa, marco essencial da fé cristã (senão, nem mesmo o Natal estaríamos celebrando), temos a Santa Quaresma, que se inicia na Quarta-Feira de Cinzas e termina no Domingo de Ramos ou da Paixão. Nessa ocasião, começamos a celebrar o mistério maior de nossa fé: Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus! Por isso, chama-se Semana Santa!

De Santo Antônio de Lisboa e Pádua (1195-1231), sabemos que, antes de sua morte, dedicou-se de corpo e alma à pregação quaresmal: todos os dias, de fevereiro a abril, rezava a missa e fazia homilia; em seguida, atendia às confissões, auxiliado por vários frades e sacerdotes diocesanos, tão numeroso era o povo que, diariamente, marcava presença, primeiro dentro da igreja e, depois, na praça pública. Foi um autêntico milagre da fé, contam seus biógrafos contemporâneos, quando se reuniam na praça (da melhor forma como podiam se acomodar) o bispo, sacerdotes, camponeses, moradores da cidade, professores, jovens, mulheres, crianças, idosos… E todos o escutavam com especial atenção e comoção, inclusive o bispo, dom Tiago Jacopo, e muitos outros sacerdotes e frades.

Tudo isso, porém, custou-lhe a vida. Sentindo-se extremamente frágil, frei Antônio pediu licença para passar um período de descanso, no final de maio de 1231, na vizinha cidade de Camposampiero, em que um bosque verdejante tornava o ar mais puro e saudável. Porém, isso foi em vão. Certa vez, sentindo-se fraco durante uma refeição, chegou a desmaiar. Por seu desejo, os frades arrumaram um carro de boi e, tendo preparado uma cama de palha, depositaram-no nela para que percorresse os poucos ou muitos quilômetros (dezoito) até o pequeno Convento de Santa Maria Mãe do Senhor, em Pádua, onde era membro da comunidade franciscana.

Retomando o tema “Quaresma-Páscoa”, não sabemos exatamente o que frei Antônio dizia em suas homilias quaresmais. Lendo e relendo, porém, seus escritos1, podemos ter alguma ideia do conteúdo de suas palavras. Segue o que ele escreveu no “Segundo Sermão da Páscoa”:
“Aqui, sem muita hesitação, devemos denunciar aquilo que fazem certos prelados da Igreja e os grandes deste mundo: eles mandam ficar esperando por longo tempo diante do portão os pobres de Cristo que imploram e pedem esmola com voz suplicante e, finalmente, só depois que eles se fartaram de comida e, não raramente, também de bebidas, mandam que lhes seja dada alguma coisa que sobrou da mesa ou as sobras da cozinha. É claro que Jó não se comportava assim e dizia: ‘Nunca neguei aos pobres aquilo que me pediam e nem deixei tristes os olhos da viúva. Nunca comi um prato sozinho, sem que comesse também o órfão. Desde minha infância cresceram comigo a piedade e a misericórdia’ (Jó 31,16-18). E isso, Jó o dizia falando da comida. Mas ouça o que ele diz sobre o vestido: ‘Nunca desprezei um peregrino porque não tinha roupa e um pobre que não tinha com que se cobrir; me abençoaram seus rins e com a lã das minhas ovelhas se aqueceram’ (Jó 31,19-20).

O perfume da esmola edifica o próximo porque dele recebe bom exemplo e glorifica a Deus, enquanto a alma daquele que dá se consola na esperança de receber seu fruto na vida eterna”.

Muito bonita também é a oração pascal de Santo Antônio inserida em seus sermões, no “Domingo da Oitava Pascal”2:
“Jesus parou no meio dos discípulos e lhes disse: ‘Paz a vós!’ Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado” (Lc 24,36.40). Lucas escreve que Jesus disse: ‘Olhai minhas mãos! Olhai meus pés! Sou eu mesmo!’ (Lc 24,39). Conforme meu parecer, o Senhor mostrou aos apóstolos as mãos, o lado, e os pés por quatro motivos:

• Primeiro: para demonstrar que Ele tinha verdadeiramente ressuscitado e livrar-nos assim de qualquer dúvida.
• Segundo: para que a pomba, isto é, a Igreja ou também a alma fiel, fizesse seu ninho nas suas chagas, como em profundas aberturas e assim pudesse esconder-se da vista do gavião, que trama insídias para raptá-la.
• Terceiro: para imprimir em nossos corações os sinais extraordinários da sua paixão.
• Quarto: mostrou-os para que também nós, participando de Sua Paixão, não o preguemos mais na cruz com os pregos dos nossos pecados.

Mostrou-nos, portanto, as mãos e o lado, dizendo: ‘Eis as mãos que vos plasmaram, como foram transpassadas pelos pregos’ (Lc 24,39). Eis o lado do qual vós, fiéis, Igreja minha, fostes gerados, como Eva foi tirada do lado de Adão. Eis como foi aberto pela lança para abrir-vos a porta do paraíso, impedida pela espada flamejante do querubim. A virtude do sangue que brota do lado de Cristo afugentou o anjo e tornou inútil a espada e a água apagou o fogo. Não queirais, portanto, crucificar-me de novo e profanar o sangue da aliança, no qual fostes santificados e praticar ultraje ao Espírito da graça. Ó homem, se prestares bem atenção a estas coisas e as escutares, terás paz contigo mesmo!”3
Para finalizar este artigo, segue o complemento do parágrafo anterior:

Texto em latim

Filius a Deo exivit ut tu exires a mundo.
Venit ad te ut tu ires ad se.
Quid est a mundo exire et ad Christum ire nisi vitia refrenare et animam vinculo amoris Deo religare?

 

Tradução

O Filho Jesus saiu de Deus Pai para que tu saísses do mundo.
Ele veio para ti, para poderes ir a Ele!
E o que significa sair do mundo e ir para Cristo senão subjugar os vícios e unir a alma a Deus com os laços do amor?

 

Notas

1 PÁDUA, Santo Antônio de. Sermões Dominicais e Festivos. Tradução de Frei Geraldo Monteiro. Padova: Ed. Messagero, 1970. p. 182-183. v. 3.
2 Idem, p. 237-238, v. 1.
3 Idem, p. 349, v. 1.

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