Sem dúvida, esse tem sido um questionamento recorrente. Até que ponto podemos confiar nos boletins oficiais a respeito do estado de saúde do pontífice?

É bem verdade que, apesar das fragilidades, o papa Francisco (1936-) esbanja muita saúde, se considerarmos o fato de ele ser um idoso de 87 anos. Por isso mesmo, é bem verdade que uma simples gripe, como a que ele contraiu no mês de dezembro, exija cuidados redobrados.

No mais, o problema de intestino que o levou para a mesa de cirurgia duas vezes em um ano parece estar sob controle. O joelho, por sua vez, vem-lhe causando vários desconfortos, o que o leva a recorrer, constantemente, ao uso de cadeira de rodas. Por outro lado, por causa da agenda atribulada, os sinais de cansaço são evidentes.

Ao contrário do que ocorre agora, informações sigilosas em relação à integridade física do sumo pontífice foram algo recorrente em muitas fases da história da Igreja. As doenças crônicas de alguns papas nem chegaram ao conhecimento do público. E se, hoje, os historiadores têm acesso a esses dados, foi graças às crônicas de reis, embaixadores e escritores cristãos desconhecidos.

Em alguns casos, a instituição preferiu guardar a informação para si, por medo de que a própria capacidade de governar do pontífice fosse colocada em xeque por seus contemporâneos.

Ressalta-se que, na história da Igreja, São João Paulo II e o atual pontífice são considerados os papas “mais transparentes” em relação à divulgação de seus boletins médicos

Entre os séculos XIV e XVI, a fase tenebrosa dos papas renascentistas (que, como sabemos, de santos não tinham nada), muitas dessas patologias acabaram sendo maquiadas pela própria Santa Sé. Há um livro que trata exclusivamente do tema, escrito pelo famoso historiador italiano Agostino Paravicini (1943-), intitulado Il corpo del papa [‘O corpo do papa’] e publicado em 1997 pela Editora Einaudi. O autor elenca, com base em sua pesquisa, quem foram os pontífices mais fragilizados da história.

Palavicini lembra que, no século XVI, o papa Alexandre VI (1431-1503), o Bórgia, por causa da vida nada virtuosa que levava, contraiu sífilis. E que o Beato Pio IX (1792-1878), ao final da vida, teve crises de epilepsia. Até o irrepreensível papa Pio XII (1876-1958) passou parte de seu pontificado tendo de conviver com uma hérnia gástrica que lhe causava crises constantes. Por sua vez, o papa Inocêncio XIII (1655-1724), no século XVIII, sofria tanto com o cálculo renal, que alguns canonistas cogitaram a possibilidade de sua renúncia.

Com efeito, os papas começaram a ter um médico privado nos idos de 1200. O papa Pio III (1439-1503), em 1503, foi o primeiro a ser operado, enquanto o papa Francisco foi o último. Ressalta-se que, na história da Igreja, São João Paulo II (1920-2005) e o atual pontífice são considerados os papas “mais transparentes” em relação à divulgação de seus boletins médicos.

A história mostrou que um papa doente, mesmo que a situação não seja das mais alarmantes, é um prato cheio para o fortalecimento dos grupos “pré-conclave”. Se, na era renascentista, eram as famílias nobres que estavam por trás desse tipo de maquinação, na atualidade, são justamente os grupos religiosos de oposição ao pontífice reinante que esperam, a todo momento, um mínimo sinal de fraqueza para posicionar as peças do tabuleiro.
O papa Francisco está ciente disso e quer mostrar quanto está focado na execução de seu programa de governo. Com isso, quer evitar o xeque-mate daqueles que torcem o nariz quando ouvem falar de seu pontificado.

Por isso mesmo, é evidente quanto a instituição tem cuidado na hora de divulgar qualquer informação a seu respeito, justamente porque sabe da força das minorias barulhentas que já se articulam para encontrar um substituto que corresponda às suas agendas. Pelo jeito, foi-se o tempo em que, quanto maior sua devoção, mais os(as) católicos(as) rezariam pela saúde do pontífice. Tempos estranhos esses…

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