Deus nos chama, e agora? Agosto mês das vocações

jun 30, 2022Assinante, Julho-Agosto 2022, Momento Litúrgico, Revistas0 Comentários

Vocação acertada é o caminho da felicidade. Vocação verdadeira é a expressão de nossos carismas mais profundos e verdadeiros. Como nos caminhos da vida, é bem triste perder o rumo da estrada, por certo é mais triste perder o caminho da própria história, quando erramos o caminho da vocação. Dá uma sensação ruim conversar com alguém que no alto de sua maturidade lamenta ter errado naquilo que seria a razão de ser de sua existência; por outro lado, faz um bem enorme pra alma ouvir pessoas que agradecem a Deus porque se realizaram o seu sonho existencial e foram felizes na escolha da vida que levam. Mais que terem sido felizes, fizeram a felicidade de tanta gente. Essa é a reflexão mais profunda da vocação humana. É a gratidão a Deus por ter descoberto a razão de ser de sua própria vida, o que leva, então, a agradecer a Deus por tantas realizações. Quando acertamos nossa vocação, somos felizes e produzimos felicidade ao nosso redor. A vocação nos coloca num caminho sinodal, onde todos somos convidados a participar como Igreja e comunidade.


O QUE SEREI PARA SER FELIZ?

A Igreja como mãe providente, seguindo os passos de Jesus Cristo, sempre se preocupou com a felicidade de seus filhos e buscou caminhos para servir todos seus fiéis. A reflexão sobre a vocação humana é sempre uma busca por luzes para que cada fiel possa descobrir os desígnios de Deus em suas vidas. Por tal razão, a Igreja procurou apresentar o mês vocacional como um tempo propício para nos fazermos sempre a mesma questão: o que serei na minha vida. Muito mais que responder à questão “o que farei?”, devemos responder ao argumento fundamental de nosso futuro: “o que serei?”. Consideramos que “fazer” um verbo de estado existencial, pelo qual eu decido o que vou fazer como profissão, como atividade social ou como serviço na comunidade, já o verbo “ser” exige uma decisão que implica a minha pessoa em sua totalidade. São, de fato, os dois níveis da questão. O “fazer” implica uma proposição
existencial ao passo que o “ser” se coloca na dimensão da essência da minha vida, como uma opção fundamental, que deverá me realizar por toda minha vida independentemente do que eu possa fazer.
A opção vocacional se tornou uma temática importante nas celebrações do mês de agosto. Vocação é um termo de origem latina que quer dizer “chamado” (vocatus) e implica um convite que se faz a alguém para seguir uma estrada. Todos somos chamados por Deus para uma missão no mundo, para definir os rumos de nossas vidas.
Tratando-se de uma preocupação da Igreja, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) instituiu na sua Assembleia anual de 1981, o Mês Vocacional, definindo o mês de agosto como um tempo dedicado para refletir e rezar pelas vocações.


O DISCERNIMENTO VOCACIONAL

O principal objetivo é conscientizar os fiéis, as famílias e as comunidades sobre a importância de discernir a própria vocação e orientar o processo vocacional dos jovens que estão em fase de escolher o rumo de sua própria história. Trata-se, por certo, de descobrir as aptidões para a própria profissão, mas sobretudo discernir seu próprio estado de vida, seja no matrimônio, no celibato, na vida religiosa ou no sacerdócio. Por certo, porém, há alguns anos, o principal enfoque era a motivação para o serviço ministerial e religioso, na vida sacerdotal ministerial ou na consagração dos votos religiosos.


O discernimento é profundo e delicado e não existem respostas prontas. Por certo, muitos jovens descobrem em si mesmos desde muito cedo o que pretendem abraçar no futuro de suas vidas. Muitas vezes, na primeira juventude, a pessoa tem certeza do que pretende, mas pode mudar de opção aos poucos. Ocorre, porém, que, tantas outras vezes, o jovem pode estar se perguntando o que pretende ser, quer dizer, se pretende o casamento, a vida religiosa ou o sacerdócio. Este questionamento interior é muito mais evidente quando a família participa com os filhos da vida eclesial. É muito saudável a reflexão sobre o próprio destino, para que a pessoa faça sua opção consciente e não se deixe levar pelo automatismo, assumindo um estado de vida sem sequer pensar se é o que realmente deseja. É sempre possível recomeçar, mas exige paciência e resiliência, pois o tempo não tem marcha a ré; o que passou, passou e o tempo não para. É preciso sempre seguir em frente, mas é muito doloroso errar mais que uma vez. Por isso, é tão precioso refletir sobre a própria vocação.

UM MÊS DEDICADO À REFLEXÃO VOCACIONAL

O mês de agosto está no centro do Tempo Comum, mais longe do Tempo Pascal e ainda distante do Advento. Assim, esse período é passível de certa monotonia nas comunidades, sem muita criatividade e sem dinamização nas celebrações. O mês de agosto foi escolhido pela Igreja no Brasil para refletir sobre as vocações. A principal motivação para a escolha deste mês é que celebramos a memória do exemplar sacerdote São João Maria Vianney, o Santo de Ars (1786-1859), que se dedicou ao seu ministério com profunda devoção e elevada mística. Sacerdote simples e muito humilde, dotado talvez de parca formação acadêmica, cultivava grande sabedoria e seduzia as pessoas a Deus com suas pregações e seu testemunho pessoal.
Sabemos que a celebração eucarística (missal e lecionários) não assume as reflexões vocacionais deste mês. Como os lecionários e o missal (Romano) são os mesmos para toda a Igreja Católica de rito latino, eles não inserem a intenção vocacional própria da Igreja do Brasil. No entanto, a CNBB tem proposto que se reflita dentro das celebrações sobre a vocação na comunidade cristã, por meio de cantos, grupos de reflexão, dinâmicas e símbolos.

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Considerando a reflexão das vocações, as dinâmicas litúrgicas contemplam uma vocação em cada domingo. Assim, existe uma divisão mais ou menos geral, na qual se dedica cada domingo do mês de agosto à reflexão de uma vocação específica. Normalmente, o primeiro domingo é dedicado à vocação sacerdotal, como refletimos, por ser próxima da celebração da memória de São João Maria Vianney, o Cura D’Ars (4 de agosto). Recordamos ainda a vocação diaconal, considerando que, no dia 10 de agosto, a Igreja celebra São Lourenço (225 d.C.-258d.C.), patrono dos diáconos. Nesse domingo, se celebram e se homenageiam os ministérios ordenados, refletindo sobre sua identidade e sua missão na comunidade.


Desde suas origens, o ministério é um forte sinal do amor e da fidelidade de Deus. Deus escolhe seus fiéis para colocá-los a serviço da comunidade de forma intensa e profunda. O sacerdote é o alter Christus nas comunidades.


No segundo domingo, por coincidir com o Dia dos Pais (comemorado no segundo domingo do mês de agosto), se reflete sobre a vocação da família, quer dizer, a vocação matrimonial. Destaca-se o papel cristão dos casados e sua vocação, tentando dimensionar o sentido vocacional do matrimônio dentro da vocação humana. O terceiro domingo é dedicado à reflexão da vocação religiosa e sua missão na igreja. Nestes dias, celebramos a Assunção de Nossa Senhora, que é transferida para o domingo seguinte ao dia 15 de agosto, o modelo da vida consagrada a Deus. Valoriza-se a vocação à vida consagrada e sua importância na vida da igreja. No quarto domingo de agosto, a liturgia propõe uma reflexão sobre a vocação dos leigos e leigas e sua importância capital na comunidade. Em caso de haver um quinto domingo, celebramos a vocação dos catequistas. Estes são homenageados com especial atenção, uma vez que servem a comunidade com grande dedicação. Eles cumprem o mandato de Jesus: “ide por todo mundo, anunciai a Boa Nova a toda criatura” (Mc 16,15). Destaca-se sua missão e sua identidade, para colocá-los como sujeitos e protagonistas da vida da igreja. Assim, entendemos que todos somos vocacionados e temos uma missão em nossa vida.


Por certo, existe nas celebrações de teor vocacional uma grande preocupação de promoção das vocações. A base da reflexão é descobrir e aprofundar o sentido da vocação humana e cristã, para depois atingir o nível das opções vocacionais – sacerdócio, vida religiosa e matrimônio. A vocação leiga é refletida como parte da vocação cristã, ou seja, um ministério dentro da comunidade.


As vocações específicas e ministeriais são uma opção complementar da primeira e fundamental vocação de todos ser humano, que é a vida cristã e a busca da santidade. Este é o caminho para realização de todos os ideais de nossa vida.

A ESPIRITUALIDADE VOCACIONAL

Somos todos chamados e ouvimos muitos chamados durante nossa vida. Somos chamados, antes de tudo, à vida. Este é o primeiro convite que recebemos dentro do ventre de nossas mães. Um chamado silencioso e misterioso, pois a vida nos convoca para existir. Em todas as situações, por nossos fundamentos religiosos, sabemos que toda vocação é um apelo que nasce do coração de Deus e que espera nossa resposta livre e responsável. Acima de tudo, deve ser livre, pois é uma opção pessoal e nunca pode ser imposta, pois invalidaria qualquer decisão. Deve também ser responsável, pois o nosso “sim” exige que sejam assumidas as suas consequências.


Somos responsáveis por nossas escolhas, com todas suas implicações. Não se trata de um dever impositivo, mas de uma resposta de amor a Deus que nos convida para realizar através de seus fiéis um projeto de vida que sirva aos irmãos. São convites abertos e pessoais, sempre à espera de uma resposta amorosa e generosa, para dar sentido à própria vida e encontrar seu lugar no mundo. Nós, os vocacionados, procuramos entender e acolher o chamado de Deus para participar dos seus planos divinos. Como primeiro convite, somos moldados à semelhança divina e devemos viver essa vocação humana, participando da missão de edificar o mundo segundo os primeiros planos criacionais. Somos filhos de Deus e depende de nós vivermos ou não este chamado. Somos filhos, mas podemos viver como filhos espúrios, distante de Deus e longe de seu olhar e de seu amor.

São convites abertos e pessoais, sempre à espera de uma resposta amorosa e generosa, para dar sentido à própria vida e encontrar seu lugar no mundo. 


Simplesmente assim: vocação é responder “sim” a Deus, pela fé, pela liberdade e pela boa-vontade e descobrir sua missão no mundo, na sociedade, na Igreja, na comunidade e na família, como servidor fiel, que é o caminho da realização pessoal, humana e espiritual.

Escrito por:

Pe. Antônio Sagrado Bogaz, PODP

Professor de Teologia Litúrgica e Patrística (ITES – EDT)

Professor João H. Hansen
Doutor em Ciências Religiosas e Literatura

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