O que é a oração? É uma resposta ao Deus, Pai de Jesus, que fala conosco tomando sempre a iniciativa. Deus ama por primeiro. Quem pensa em Deus está com Ele. Quem se aproxima de Deus querendo nele permanecer percorre pela ponte da oração o caminho de Deus. Pensar em Deus com o coração é viver mergulhado no amor eterno, como professa o Salmo 32,11. Afinal, o coração da pessoa humana foi criado para amar. E o amor ofertado aos outros e ao mundo manifesta Deus. Deus ama amando. As pessoas amam crendo.
Mesmo sem ter consciência, todos os que amam professam Deus, ainda que não pronunciem o nome do Altíssimo. Quem vive no amor nunca morre sem o Amor. Deus não abandona quem ama. Deus é Amor. Nós, humanos, quanto mais pensamos naqueles que amamos, mais os sentimos perto de nós. Pensar na pessoa amada aquece o coração. Deus dirige a vida diária pelo mistério e pede uma resposta orante aos seus interlocutores e amigos. Deus ama e precisa da resposta de nosso amor. Deus é fiel. Rezar é uma resposta sublime do amor humano ao amor divino. Deus fala e cria. Deus escuta e recria. Quem escuta perdoa e fortalece. Tudo isso está inscrito no coração da pessoa que reza: saber que Alguém a escuta. Quem reza crê que a prece vulcânica de seu coração é capaz de furar as nuvens. A pessoa orante confia no Divino Pai Eterno. Rezar é dirigir-se ao Pai, pelo Filho Jesus, na experiência do Espírito. Rezar tem, portanto, uma direção, um mapa pessoal e um Sopro. Não é calar-se, mas ouvir. E quem ouve precisa silenciar. Não é sentir, mas meditar. Não é só meditar, mas sobretudo dialogar. A reza vem de dentro do corpo humano e quer alcançar o infinito. A resposta vem desse infinito profundo que penetra o mais íntimo de nosso íntimo, como expressou Santo Agostinho (354-430), em suas Confissões. O próprio Jesus ensina a oração simples e única do Pai-nosso, para que, ao dizer cada uma das oito invocações, saibamos conversar com o Deus-Abbá (nosso Paizinho amado).
Há quem reduza oração a discursos ou falas rebuscadas. Faz perder tempo com falácias. Há gente que chora rezando, mas há os que choram sem rezar. Os olhos repletos de lágrimas nem sempre conduzem a Deus, como ensinou o Padre Antônio Vieira (1608-1697). Precisamos saber a origem das lágrimas, diz ele. Para rezar é preciso aliviar os pensamentos, focando em Deus. A oração vive da inteligência da fé, mas ela ultrapassa aquela racionalidade de quem pouco ama. Há quem pense que oração possa ser reduzida ao mental. Isso é enganoso. Há quem pense que, ao rezar, o rezador ganha poder e força diante dos outros, como feiticeiro religioso. Reduz a fé a gestos de magia clerical. Rezar é reconhecer nossa humilde e saber que toda força pertence só ao Amor divino. Advertia-nos o pai da língua catalã, Raimundo Lúlio (c. 1232-1315): “Dize-me, tu que amas, tens riqueza? Sim, o amor. Tens pobreza? Sim, o amor. Por quê? Porque meu amor ainda não é tão grande a ponto de arrastar muitos a entregarem-se ao meu Amado”.¹
Quem reza fala com as mãos, a boca, os pés, o estômago, os olhos e até mesmo com o corpo inteiro. É possível não dizer uma única palavra e, mesmo assim, estar em oração profunda pela adoração mística. É saudável dizer em alta voz, em comunidade, as orações comuns de nossas Igrejas cristãs com as tantas riquezas das diferentes culturas e liturgias. É bonito apresentar uma oração afetiva. Quanta beleza ao ouvir crianças a rezar e idosos declamando preces antigas guardadas na memória e nas contas do terço mariano. Oração sempre vem carregada da simplicidade dos que amam a Deus sem ouro nem prata. A oração dos pobres faz Deus comover-se. Há orações de quietude e há orações de clamor. Nenhuma oração pode ser vendida ou comprada. Oração não é mercadoria. As preces gratuitas são aquelas que bebem da fonte da graça, gratuitamente. Igreja que ganha dinheiro com orações é corrupta e falsa. Para Deus basta um sinal com os olhos e Ele já responde imediatamente.
Ora et labora et legere
Há orações contemplativas e orações ativas feitas durante o trabalho de cada dia. Quanta gente reza nos ônibus, nos trens e ao fazer o almoço da família. Do equilíbrio de ambas (ativa e contemplativa) é que brota o mundo novo. São Bento de Núrsia (480-547) até propunha um tripé na vida dos monges: “ora et labora et legere”: que podemos traduzir por “reze, trabalhe e estude”.
Há orações curtas que o povo guarda na memória: as jaculatórias, do latim, iaculari, cujo significado é lançar flechas ao coração de Deus, por serem essas orações sempre breves e velozes dirigidas ao Criador ou Jesus, seu Filho. Por exemplo: “Jesus, manso e humilde de Coração, fazei o nosso coração semelhante ao Vosso”. Ao lançar tais flechas ao Coração divino, confiamos que faça brotar aquela perfumada chuva de graças a quem clama e insiste com Deus. Assim ensinava Raimundo Lúlio: “Interrogaram o amigo de onde nascia seu amor, de que vivia, e por que morria. Respondeu que o amor nascia da lembrança, vivia de inteligência e morria por esquecimento. Esqueceu o amigo tudo quanto está embaixo dos céus, a fim de que a inteligência pudesse subir mais alto e conhecer o Amado, que a vontade deseja apregoar e contemplar”.²
Rezar pressupõe a fé, certamente. Ainda que possam existir orações de ateus e descrentes, os quais Deus também escuta e ama. A fé floresce diariamente e pode irromper de maneira misteriosa. Quem sofre contratempos e amarguras, pode descobrir a fonte da esperança. Quem reza não sabe tudo nem pode tudo. Será sempre um mendigo de Deus pedindo consolação, bênçãos e graças. Quem tem segredos de amor sempre descobre o segredo de Deus. Rezar é estabelecer essa conversação entre corações apaixonados. É essa troca de olhares, palavras, sentimentos, silêncios entre um “eu” e o Tu maior, que é Deus. Rezar é entrar em ebulição tal qual água no fogo. Rezar é esticar horizontes para seguir caminhando, mesmo quando tudo parece perdido. A Bíblia Sagrada está recheada de orações e cantos de louvação. Um desses livros se tornou referência para a Igreja que reza. Chama-se Saltério ou Livro dos Salmos. São 150 orações de diferentes
estilos. Os salmos são a escola de oração do povo semita. Belos, diretos e fortes.
Rezar não é romântico silêncio ou sentimento catártico. Não se dá no grito ou em explosões emotivas das massas. Os grandes místicos sempre alertam para que os que rezam evitem o prejuízo da emoção. Vemos isso abundantemente hoje em grupos carismáticos e pentecostais. São desvios graves da oração fecunda e profunda. Assim escreve o monge trapista Thomas Merton (1915-1968): “Uma meditação que poderia ser boa chega a ser prejudicada pela emoção. O efeito espiritual da graça ver-se-á frustrado, a vontade permanecerá inerte, enquanto a ideia que se apresenta em germe ficará estéril, devido ao sentimentalismo. Os que pensam dever sua meditação culminar num rebuliço de emoções caem em um ou dois erros. Constatam que suas emoções degeneram em secura e que a oração lhes aparece sem ‘fruto’. Daí concluem que perdem tempo, e abandonam todo esforço, a fim de satisfazer sua sede de sensações de qualquer outro modo. A versatilidade emocional é uma ajuda no início da vida interior, mais tarde poderá ser um obstáculo ao progresso. No início, quando nossos sentidos se deixam facilmente atrair pelos prazeres criados, nossas emoções nos impedirão de nos voltarmos para Deus, a não ser que lhes seja dado sentir alguma satisfação e a consciência do valor da oração. Assim, o gosto das coisas espirituais tem de se iniciar sobre base humilde e terrena em relação aos sentidos e às emoções. Mas, se a nossa oração terminar sempre por prazer sensível e consolação interior, correremos risco de nos repousar nessas coisas que, de modo algum, constituem o termo da viagem. Há sempre perigo de iluminismo e falso misticismo, quando os que se deixam facilmente levar pela fantasia e emoção tomam demasiadamente a sério os impulsos, vivos e intensos, que experimentam na oração, imaginando ser de Deus a voz de seus próprios sentimentos exaltados. A atmosfera própria à meditação é de tranquilidade, paz e equilíbrio. Uma boa meditação pode muito bem ser ‘seca’, ‘fria’ ou ‘obscura’”.³
Lex orandi, lex credendi
A vida cristã é o seguimento de Jesus, homem de oração viva e profunda. Aquilo que Jesus faz revela seu plano de amor e sua dedicação ao Reino de Deus. Vendo o que Ele fazia, o povo começa a segui-lo. Seguindo-o, aprende quem Ele é. Conhecendo-o e orando com ele, conhece o caminho para Deus. É Jesus que é o caminho da eternidade no tempo e na história.
Lex orandi, lex credendi é um antigo adágio latino que pode ser traduzido por: “aquilo que é celebrado/rezado torna-se lei e caminho para a fé”. No que rezamos, cremos. O que cremos, rezamos. Na liturgia, ação do povo de Deus, se manifesta aquilo em que creem os fiéis da Igreja peregrina. Na liturgia, de maneira eminente, se vive o que guardamos no coração. Na liturgia, Deus dialoga conosco pela experiência do Espírito do Ressuscitado. Como diz nosso povo brasileiro: “quem reza seus males espanta”. Rezemos para acender no Fogo divino as lamparinas de nossas vidas.
Referências
1 LULLIO, Raimundo. Livro do amigo e do Amado. São Paulo: Loyola, 1989. p. 96.
2 Idem, p. 85.
3 MERTON, Thomas. Direção espiritual e meditação. Petrópolis-RJ: Vozes, 2022. p. 71.
grato pela delicadeza de abrir para o povão. abraços terapeuticos.