Diagnosticado com uma condição de saúde rara, sacerdote da Diocese de Taubaté (SP) fundou a Casa de Saúde Nossa Senhora dos Raros, a primeira instituição do País a tratar integralmente pessoas com doenças raras.
“Eu sou um milagre vivo”. Dessa maneira, padre Marlon Múcio resume sua emoção ao completar 51 anos. Com uma doença rara, o sacerdote toma 281 comprimidos por dia para conseguir realizar suas atividades, seja na igreja, seja na Casa de Saúde Nossa Senhora dos Raros, localizada em Taubaté (SP).
Até receber o diagnóstico correto da doença, ele percorreu um caminho árduo e extenso. Ao todo, foram nove anos de peregrinações [‘odisseia diagnóstica’] a consultórios médicos, além de uma infinidade de exames e seis indicações equivocadas. “Foi uma verdadeira via-sacra por hospitais e clínicas”, relembra.
Ele recorda que já havia desistido de buscar por um diagnóstico preciso aos sintomas que apresentava, pois se sentia cansado física e emocionalmente. Além disso, muitas vezes, foi questionado se tinha algum transtorno psicológico ou mesmo se queria chamar a atenção das pessoas em relação a seu quadro de saúde. “Todos os que fazem essa caminhada, infelizmente, passam por isso. Chegam a ser desacreditados”. Também não possuía mais recursos financeiros para realizar outros exames clínicos e consultas médicas. Porém, por insistência da família, continuou sua busca. Enviou novos materiais coletados a uma clínica norte-americana especializada em doenças neuromusculares.
Após analisar os resultados dos exames, um médico geneticista discutiu o caso com uma equipe médica durante um congresso de doenças raras, realizado também nos Estados Unidos. Então, em 2019, veio o diagnóstico definitivo: padre Marlon apresenta uma mutação genética que provoca os sintomas de sua enfermidade, denominada Deficiência do Transportador de Riboflavina (RTD). Pouco tempo depois, durante uma consulta, o sacerdote e sua mãe foram informados sobre o tratamento correto. “Minha mãe e eu choramos muito no consultório. Senti alívio, pois finalmente descobri o que tinha. Agora posso me tratar de maneira eficiente para servir o povo de Deus”.
Entre os principais sintomas da doença, estão dificuldade de caminhar, de engolir, fraqueza muscular e fadiga crônica. “Normalmente, uma pessoa se sente cansada depois de um dia de trabalho. Eu me sinto cansado a todo o momento”, explica o sacerdote.
O que é a Deficiência dos Transportadores de Riboflavina (RTD)?
Também conhecida como RTD, Síndrome de Brow-Vialetto-Van Laere (BVVL), ou paralisia ponto-bulbar com surdez, é uma doença genética, congênita, neurodegenerativa, progressiva e incurável. Atualmente, no Brasil, há quinze casos diagnosticados, e outros 350 no mundo. Entre os principais sintomas, estão surdez progressiva; comprometimento progressivo do diafragma e músculos respiratórios, levando à perda progressiva da capacidade de respirar e necessidade de traqueostomia, além de uso de ventilação invasiva; fraqueza progressiva dos quatro membros; dificuldade para falar e deglutir; fraqueza dos músculos da face, pescoço e ombros; cegueira; dificuldade de controle da pressão arterial, dos batimentos cardíacos e do controle do esfíncter urinário e crises epilépticas.
Segundo a doutora Ana Flavia Pincerno Pouza, médica neurologista do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (HSPE), essa doença pode se manifestar ainda na infância. “O tratamento, apesar de não ser curativo, deve começar o mais precocemente possível, com a suplementação de doses elevadas de Vitamina B2, ministrada preferencialmente com a dieta, e seguir por toda a vida do paciente”.
Além disso, o suporte fornecido pela fisioterapia, tanto respiratória quanto motora, é essencial para promover o bem-estar do paciente. O uso de órteses, muletas, andadores ou cadeira de rodas está indicado, assim como avaliação precoce da escoliose (desvios da coluna) por ortopedistas. É importante ressaltar que implantes cocleares para tratar a perda de audição têm-se mostrado bem-sucedidos na maioria dos casos.
A Casa de Saúde Nossa Senhora dos Raros
Em 8 de dezembro de 2023 (alguns anos após receber o diagnóstico correto), padre Marlon fundou a Casa de Saúde Nossa Senhora dos Raros, cuja mantenedora é a Comunidade Missão Sede Santos, localizada em Taubaté, no interior de São Paulo. A unidade é a primeira do Brasil a tratar integralmente pessoas com doenças raras.
A devoção a Nossa Senhora dos Raros foi iniciada pelo próprio sacerdote. Constantemente, os devotos rezam a ela para pedir cura, força e conforto, e agradecem por sua intercessão. Isso é um lembrete de que Deus ama e cuida de todos indistintamente, sendo uma fonte de esperança e conforto.
O hospital recebe pacientes com doenças raras de várias regiões do Brasil. A instituição disponibiliza a esse público-alvo consultas e tratamentos com neurologistas, ortopedistas, cardiologistas, oftalmologistas, psicólogos, fonoaudiólogos, entre outros especialistas, que atuam de maneira voluntária. Atualmente, há cerca de trezentos pacientes em tratamento e uma fila de espera de cerca de quinhentas pessoas.
Como explicou a doutora Manuela Galvão, coordenadora da Casa de Saúde, “os pacientes precisam de um olhar global para seus casos. Por isso, é importante termos equipes multidisciplinares”. Porém, segundo ela, nem toda doença rara possui um tratamento específico. Um mesmo paciente pode precisar de atendimento de fisioterapeuta, endocrinologista ou outra especialidade. “Há casos em que o tratamento pode ser realizado por meio de dietas, com a nutricionista”, finaliza.
“O céu é o limite”
Em maio, a peregrinação de padre Marlon chegou até o Vaticano, quando, acompanhado da família Cazarré (embaixadores da Casa de Saúde Nossa Senhora dos Raros) e de integrantes da comunidade católica de Taubaté, ele encontrou o papa Francisco (1936-). Na ocasião, o sacerdote falou ao pontífice sobre o hospital, mostrou-lhe uma imagem de Nossa Senhora e pediu bênçãos para os pacientes. “É o melhor dia da minha vida! Estou em estado de graça! Estamos todos maravilhados e ainda processando tudo aquilo que Deus nos permitiu viver”, afirmou, emocionado.
Contando com uma rede de apoio formada por familiares, amigos e paroquianos, padre Marlon nunca desanima nem perde sua fé, apesar de todas as limitações impostas pela enfermidade. “O que me mantém vivo é comunicar a vida. Temos iniciativas nas áreas sociais, na saúde e em outras áreas. Não tenho tempo para morrer. O céu é o limite”.
Tratamentos de doenças raras são oferecidos pelo SUS
Atualmente, no Brasil, estima-se que 13 milhões de pessoas tenham alguma doença rara (quase a mesma quantidade da população da cidade de São Paulo, que é de 11,45 milhões de habitantes, segundo dados do Censo do IBGE de 2022). De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), doenças raras são aquelas que atingem menos de 65 pessoas em cada grupo de cem mil, ou seja, 1,3 pessoas para cada 2 mil indivíduos, sendo degenerativas, crônicas, progressivas e incapacitantes.
Para atender esses pacientes, foi criada a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, que visa organizar a rede de atendimento para prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação dessas condições.
Segundo o Ministério da Saúde, o atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS) é realizado por equipes multidisciplinares em diversas unidades, incluindo Atenção Primária à Saúde, hospitais universitários, centros especializados de reabilitação e atenção domiciliar.
Ressalta-se que, desde 2008, a Organização Europeia de Doenças Raras (Eurordis) instituiu o dia 28 de fevereiro (ou 29, em anos bissextos) como o Dia Mundial das Doenças Raras.
Serviço
Casa de Saúde Nossa Senhora dos Raros
Endereço: Rua do Café, 58,
Centro, Taubaté, São Paulo
Contatos: (12) 3635-5798 /
[email protected]
Site: nossasenhoradosraros.com.br
Site da Biblioteca Virtual da Saúde:
https://bvsms.saude.gov.br/28-02-dia-das-doencas-raras/
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