Província São Francisco de Assis do Brasil (1949-2024) (Parte 5)
Quando olhamos para o passado com carinho, amor, gratidão, longe de ser uma válvula de escape sentimental, psicológico ou espiritual, significa um realimento das forças presentes para enfrentar, com renovado ardor, desafios pessoais e epocais. Sobre isso, as palavras das próprias Escrituras ajudam-nos a compreender “Recorda-te dos dias do passado, relembra as antigas gerações… Pergunta ao teu pai e ele te contará; interroga os anciãos e eles te dirão” (Dt 32,7).
Eu me recordo que, em 1983, como ministro provincial, viajei a Assis, na Itália, para participar de um Capítulo Geral da OFMConv., que coincidiu com o aniversário de 75 anos de frei Vitório Valentini. Na ocasião, fiz questão de escrever a todos os confrades da Província:
“Neste ano de 1983, no dia 6 de junho, frei Vitório Valentini completa a vetusta idade de 75 anos de idade, dos quais cinquenta foram dedicados ao sacerdócio! É bem verdade que, na experiência do salmista: ‘Setenta anos é o total de nossa vida. Os mais fortes chegam aos oitenta. A maior parte é sofrimento e vaidade, passam depressa e desaparecem’ (Sl 90 [89],10). Mas é verdade também que, para quem conheceu frei Vitório (desde 1953, como eu), todos esses anos significam um dom de Deus não só a ele, mas também para toda a nossa outrora esperançosa e hoje palpitante realidade: a nossa Província São Francisco de Assis! A ele um abraço do tamanho do Brasil, para que festeje também no silêncio do coração e na intimidade de sua alma (aonde só Deus pode chegar!) a inefável leitura das linhas escritas no livro da vida com tantos acertos, com tantos erros, com tantas esperanças, com tantas desilusões, mas certamente com tanto amor! Continue, frei Vitório! Sempre sulla breccia [‘sempre para frente’]!”
Encontrar frei Vitório Valentini para narrar fatos antigos, dos inícios de nossa Província, não foi uma tarefa difícil. Inicialmente, eu lhe perguntei:
O senhor pode nos contar sobre o início da Somiframeco [‘Sociedade Missionária dos Franciscanos Conventuais’]? Após uma breve tosse, frei Vitório começou:
“Durante noites e noites maldormidas, meu pensamento era um só: como ter espaço para construir uma nova e majestosa matriz com as demais obras da comunidade conventual e paroquial. E me perguntava: ‘Como chegar até o doutor Francisco de Paula Peruche, proprietário de todos os loteamentos do Parque das Nações?’ De noite era fácil, mas de dia era outra coisa. Ele havia estudado para ser médico. Mas, na época, era dono de terras para loteamento.
Um dia, eu me decidi: ‘Vou!’ Peguei o chapéu eclesiástico, vesti o hábito franciscano com cordão e embarquei no trem até a Estação da Luz; a pé, fui até a Praça São Francisco, onde me informaram que o escritório ficava na Rua José Bonifácio. Aprumei o chapéu e segui em frente! No terceiro andar, havia uma placa: ‘Escritório de Vendas Francisco de Paula Peruche!’ Toquei a campainha e a secretária me levou até o senhor Francisco. Na frente dele, todo o meu discurso desapareceu. Cumprimentei-o e disse-lhe de onde vinha, mas não o que queria. Imediatamente, meu interlocutor adivinhou. Talvez seguisse o ditado do romancista catalão Ángel Carmona Ristol (1927-1997): ‘Quando um padre vem te visitar, logo deves pensar que ele vem pedir a tua bolsa ou a tua alma!’
Então, doutor Francisco começou: ‘Tenho muitos padres amigos. Com dom Paulo Loureiro, então, nem se fale! Já doei umas terras para ele na Freguesia do Ó, no Parque Peruche! Minha esposa, dona Zilda, é muito devota de Santa Ifigênia’. Eu o escutei, mas, a certo momento, interrompi: ‘E, para o Parque das Nações, nada?’ A resposta dele foi imediata: ‘Sim, sim. No Parque das Nações, ainda não fizeram nada nos terrenos. E há uma cláusula em que eu poderia ainda reaver o terreno caso nada seja construído… O senhor pretende fazer algo?’ A pergunta caiu como um raio iluminador em mim: ‘Sim! Vamos fazer, e algo bonito’! ‘Então’, foi a resposta dele, ‘o senhor volte aqui na próxima semana, que vamos conversar!’
Estava lançada a ponte! Fiquei muito feliz!”
Em nome de Cristo!
Com a intercessão de Santo Antônio de Lisboa e Pádua!
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