Celebrando as missões e nosso compromisso missionário

set 27, 2022Momento Litúrgico, Outubro 2022, Revistas0 Comentários

Eles missionaram, hoje nós missionamos
(As missões nas origens, na tradição e em nossos tempos)

A mensagem pontifícia para as Missões

Desde os primeiros tempos da tradição cristã, os seguidores do Nazareno se sentiram missionários e saíram ao mundo para evangelizar os povos. Esse mandado de Jesus é o lema do Dia Mundial das Missões de 2022, proclamado pelo papa Francisco (1936-): “Sereis minhas testemunhas” (At 1,8). Enquanto conversava com os discípulos, antes de Seu retorno ao Pai, Jesus anunciou que mandaria o Espírito Santo, para que os iluminasse nas estradas desconhecidas do mundo a ser evangelizado. Foi um presente ofertado aos seguidores, para iluminar seus caminhos. As palavras de Jesus ressuscitado são confortadoras: “Recebereis a força do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria e até aos confins do mundo” (At 1,8).

O pontífice recorda que, neste ano, o Dia das Missões possui duas motivações especiais, pois comemoramos os quatrocentos anos da Propaganda Fidei, fundada pelo papa Gregório XV (1554-1623) em 1622, que passou a ser designada posteriormente como Congregação para a Evangelização dos Povos. Também se celebram os duzentos anos da Obra da Propagação da Fé e a Obra da Santa Infância, ambas fundadas pelo papa Pio XI (1857-1939). Há um século, elas foram reconhecidas como obras pontifícias.

Os alicerces da Missão

A atividade missionária é uma das atividades mais preciosas da comunidade cristã. Por força das missões, o cristianismo saiu dos campos palestinos e se espalhou por todas as extensões do Império Romano. O próprio Senhor estimulou Seus discípulos a serem missionários e ensinarem os caminhos da salvação para todos os povos. Na mensagem pontifícia, estão os três alicerces da vida e da missão dos discípulos, como podemos especificar.

Como primeiro alicerce, está a citação bíblica: “Sereis minhas testemunhas”, como um convite para todos os cristãos testemunharem o Senhor em suas vidas. Esse é o cerne do ensinamento do Senhor, que ordena aos cristãos a partirem para testemunhar, do mesmo modo que Ele veio como testemunha missionária do Pai (cf. Jo 20,21). Todo cristão é chamado a ser testemunha fiel do Cristo, como Ele é testemunha fiel do Pai (cf. Ap 1,5). A Igreja tem o dever de viver as virtudes de Cristo e a missão de evangelizar o mundo, que espera pela salvação. Essa missão é confiada a cada cristão(ã), mas na forma plural, como ensina o papa, ou seja, tem caráter comunitário, pois alguns partem e os outros os sustentam com a oração e os meios necessários para os serviços missionários.

Todo cristão é chamado a ser testemunha fiel do Cristo, como Ele é testemunha fiel do Pai.

São Paulo VI (1897-1978), na Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, insiste que “evangelizar não é para quem quer que seja, um ato individual e isolado, mas profundamente eclesial […]” (EN, n. 60).1 Mesmo que esteja nos rincões mais remotos do mundo, o missionário está vivendo, pregando e celebrando em nome de toda a Igreja. Ele pode se sentir um representante da comunidade cristã e unido espiritualmente a todos os batizados.

O missionário traz em seu corpo a morte de Cristo e encarna sempre a própria vida. Como ensina o Apóstolo Paulo, “todos os missionários trazem em seu corpo a morte de Cristo e revelam em suas vidas o próprio Senhor” (2 Cor 4,10). Na verdade, isso se refere aos que pregam o Evangelho com coragem e dedicação a Boa-Nova, como fizeram os primeiros discípulos. Em verdade, a motivação dos evangelizadores é o amor que recebemos de Jesus e a confiança que lhe dedicamos (cf. EG, n. 264).2 A missão possui um coração e dois pulmões. O coração é a fé em Cristo. Os pulmões são o anúncio da Boa-Nova e o exemplo da própria vida.

Em segundo lugar, está o lugar da evangelização: “até os confins do mundo”. Entendemos que as fronteiras da pregação não são étnicas, nacionais ou temporais. Estes confins se abrem a todos os povos e todos os tempos e lugares. Como lemos nos Atos dos Apóstolos: “Em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria e até aos confins do mundo” (At 1,8). Nos primeiros momentos, os discípulos partiram de Jerusalém, indo à Judeia e até a Samaria, e dessas regiões a todos os povos. Esse espírito missionário caracteriza uma Igreja em saída e, assim, cumpre sua vocação de testemunhar o próprio Cristo. Os que partiram dispersaram pela Judeia e pela Samaria e O testemunharam em todos os lugares do mundo. Podemos perceber essa realidade em nosso tempo, pois, por causa de perseguições religiosas, guerras e fundamentalismos, muitos cristãos são constrangidos a partir para outras regiões. Embora as situações estruturais sejam bem mais eficientes em nossos tempos, o ato de partir para terras distantes, para povos e culturas diferentes, continua sendo um desafio de coragem e confiança.

No Concílio Vaticano II (1962-1965), encontramos um decreto sobre a atividade missionária da Igreja3, que considera a missão para regiões mais longínquas, além das fronteiras linguísticas, nacionais e culturais, com o propósito de testemunhar a Boa-Nova. Muitos morreram pela fé e viveram por toda vida distante de seus países, de seu povo e de suas famílias.

No terceiro alicerce, encontramos o maior de todos os presentes, que é o Espírito Santo. A oferta é do próprio Cristo: “Recebereis a força do Espírito Santo”. Essa é a promessa do Espírito, que nos faz testemunhas (cf. At 1,8). Como certeza dessa promessa, recordamos que, com a recepção do Espírito Santo, os discípulos saíram a pregar em todas as nações. A força desse Espírito garante e inspira os missionários. Ele é a fonte divina inesgotável de novas energias e a alegria de partilhar a vida e as graças de Cristo, como ensina o mesmo papa Francisco. De fato, “receber a alegria do Espírito é uma graça; e é a única força que podemos ter para pregar o Evangelho, confessar a fé no Senhor”.4

Mensagens litúrgicas do mês missionário

Quando falamos em celebrações referentes ao Mês das Missões, somos levados à sensibilização para recordar que a Igreja é missionária desde os tempos dos Apóstolos. Jesus foi missionário, pois caminhava por todas as cidades de seu universo palestino para anunciar a Boa-Nova. Os discípulos entenderam que deveriam partir e propagar o que tinham visto e vivido. Sem eles, talvez as pregações tivessem se limitado às terras do povo hebreu, sem nem mesmo partirem para a diáspora e para os gentios. São sempre insondáveis os projetos divinos e eles partiram. Mesmo a “carona” na expansão do Império Romano serviu para os propósitos missionários dos discípulos e dos missionários que se seguiram. Eles partiram e muitos pagaram a ousadia com a própria vida. Coragem e fé, fé de coração aberto para acolher e pés ligeiros para avançar por terras desconhecidas.

Em nossas celebrações, as mensagens revelam três perspectivas da atividade missionária. Celebrar as missões implica, em primeiro lugar, estimular e apoiar todas as atividades missionárias ad gentes. Aqueles que partiram, deixando seus lares e trilhando campos desconhecidos, merecem nosso respeito e nossa admiração. Os rituais, com seus gestos e símbolos, devem dar força e valorizar os missionários que deixam sua “zona de conforto” e em terras alheias participam da evangelização, incentivando o crescimento espiritual e a luta por uma vida melhor e mais graciosa, que é a instauração do Reino de Deus.

Compromisso Missionário

Padre missionário batizando uma criança em uma comunidade indígena, Barbara J. Fraser/CNS

Em uma segunda perspectiva, as celebrações devem provocar os cristãos para que estendam a mensagem do Senhor a todos os ambientes onde vivem, que vivenciam a secularização, que, mais que considerar o mundo civil em sua positividade, insistem em apagar a presença de toda religiosidade e dos projetos de justiça e partilha. Somos missionários nos ambientes de trabalho, de lazer, de vizinhança e onde construímos nossa convivência social. A mensagem bíblica deve estar estampada em nossos gestos, nossas palavras e nossas atitudes, para que possamos evangelizar de forma silenciosa e discreta. Nossa vida seja evangelizadora por suas formas de viver.

Nas últimas décadas, despertou-se um desafio para nossas comunidades, que é a terceira perspectiva das missões cristãs e católicas. São os movimentos de reavivamento da fé daqueles que são batizados na tradição e que andam esquecidos. São iniciativas de visitação aos doentes, de novenas e rosários nas famílias, e nas missões populares, que buscam regar as raízes cristãs de nossos fieis, que andam ressequidas pelas atividades paganizantes de nossa sociedade atual.

Podemos nos dedicar a sermos missionários em qualquer lugar, em nosso condomínio, nas escolas, nos vizinhos. Basta que a pessoa queira receber Deus em seu coração.

Há movimentos silenciosos de descristianização na sociedade e de anticatolicismo entre movimentos religiosos. Como missionários, não devemos combater adversidades, mas incentivar nossas propostas eclesiais, como a luta pelo bem comum, a vida comunitária e a espiritualidade que fortalece as famílias e as comunidades.

Assim, as celebrações deste mês de outubro têm valorizado e estimulado a ação de propagação da mensagem cristã entre os povos, mas, sobretudo, na missão de reevangelização de nossa sociedade. De fato, ela conhece o cristianismo como cultura e como religião, mas precisa ser convertida para viver seu projeto de justiça e solidariedade. Hoje predomina em nossa sociedade uma cultura pagã, com estruturas sociais contraditórias e em oposição com a proposta de Jesus Cristo.

Os projetos missionários da Igreja, como os Congressos Missionários Latino-Americanos (COMLA), o Conselho Missionário Nacional (Comina), vinculado à Comissão Episcopal Missionária e Cooperação Intereclesial da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e outras iniciativas servem para refletir a ação missionária dos cristãos. São forças do Evangelho de Cristo que nos animam para integrar os valores cristãos nas culturas, na linguagem e na vida de nosso povo, que espera da Igreja testemunho e sinais do Reino de Deus.

Religiosos e leigos, todos somos missionários

Quando as pessoas levam seus filhos ou netos para o batizado do mais novo integrante da família, muitas vezes sem mesmo saber, já estão assumindo o protagonismo de missionários, pois todos nós somos. Nesse momento, começa a vida de um novo cristão.

Ali está o sacerdote batizando a criança, e estamos voltados para esse lado belíssimo que nos mostra o caminho de Deus para continuarmos cristãos a vida inteira. Somos leigos e somos sacerdotes, mas somos mais ainda evangelizadores.

Posteriormente, as crianças crescem e são levadas para o catecismo, em que terão aulas para poderem fazer sua Primeira Eucaristia. Aqui, citamos os Sacramentos que acompanharão os cristãos durante toda a vida. Depois há a preparação para a Crisma.

Em nosso caminho da vida, seremos preparados para o matrimônio, para termos filhos, passando por todas as etapas que nos mostram àqueles sua trajetória, bem como missas, sétimo dia, mês, ano. Então, a vida continua para fazer o trajeto de encontrar Jesus Cristo nos esperando junto a Maria.

No entanto, podemos fazer mais. Se tivermos esse caminho, precisamos que o mundo inteiro também o tenha e possa dar a todos a oportunidade de conhecerem e viverem toda a trajetória cristã. Aí entram, de fato, os missionários, que podem ser integrantes do clero ou leigos, e que vão viver (segundo seu modo de vida cristã), não ficando somente nesses momentos divinos, mas sim ensinando o caminho que Deus nos mostrou.
Podemos nos dedicar a sermos missionários em qualquer lugar, em nosso condomínio, nas escolas, nos vizinhos. Basta que a pessoa queira receber Deus em seu coração.

Enquanto o clero vai atravessando os oceanos para evangelizar, nós evangelizamos de nosso jeito, auxiliados pelos anjos. É importante que o missionário e o leigo encontrem o caminho que explicitamos anteriormente. Certamente, sempre haverá pessoas que estão com o coração receptivo para receber Jesus Cristo. Isso depende apenas de nós.

Nota

1 PAULO VI, Papa. Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi: sobre a evangelização no mundo contemporâneo. Roma, 8 dez. 1975. Disponível em: https://www.vatican.va/content/paul-vi/pt/apost_exhortations/documents/hf_p-vi_exh_19751208_evangelii-nuntiandi.html. Acesso em: set. 2022.
2 FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium: sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual. Roma, 24 nov. 2013. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20131124_evangelii-gaudium.html. Acesso em: ago. 2022.
3 PAULO VI, Papa. Decreto Ad Gentes: sobre a atividade missionária na Igreja. Roma, 8 dez. 1975. Disponível em:
https://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_decree_19651207_ad-gentes_po.html. Acesso em: set. 2022.
4 FRANCISCO, Papa. Mensagem do papa Francisco às pontifícias obras missionárias. Roma, 21 maio 2020. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/pont-messages/2020/documents/papa-francesco_20200521_messaggio-pom.html. Acesso em: set. 2022.

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