Zé Vicente: Há quarenta anos “CANTOR DA CAMINHADA”!

Escrito por omensageiro_master

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O compositor e cantor do Nordeste, Zé Vicente, é bastante conhecido pelas suas músicas de cunho popular e de apoio aos encontros das comunidades eclesiais. Nos vários álbuns musicais, lançados especialmente pela COMEP, estão canções como: “Quem disse que não somos nada”; “Quando o dia da paz renascer”, “Somos gente nova vivendo a união”, Cântico das criaturas “Onipotente e bom Senhor” e outras, entre as quais, “A mesa tão grande e vazia”, na qual o refrão cantado é “PÃO EM TODAS AS MESAS”. Essa frase foi assumida para ser lema do XVIII CONGRESSO NACIONAL, que vai acontecer na arquidiocese de Olinda e Recife, daqui a um ano, de 11 a 15 de novembro de 2022! Com razão, Zé Vicente, é chamado “Cantor da Caminhada”, pois sensibiliza as pessoas com suas poesias e músicas criativas sobre temas religiosos, ecológicos e sociais. Ele completou, neste ano, 40 anos de intensa atividade. Por isso o MSA teve a iniciativa de entrar em contato com ele, que, de modo simples e despretensioso, como é próprio de sua personalidade, respondeu às perguntas propostas

MSA – Como nasceu, Zé Vicente, sua vocação para ser “cantor da caminhada?”

Zé Vicente – Eu nasci num pequeno lugar, num sítio dentro do Município de Orós, que naquele tempo pertencia ao município de Icó, no estado do Ceará. Meu pai, José Vicente, era da Paraíba, e minha mãe, Suzana Angélica, era cearense. Os dois tinham afinidade com a cultura popular nordestina do cordel de modo que, quando nasci, em março de 1954, já fiquei familiarizado com o toque do xaxá, por parte do pai, e influenciado também, por parte da mãe, que costumava cantar os “benditos” na capelinha que ficava dentro da propriedade de um padre: alguém que possuía amor pela música e pelo altar. Cresci assim. Tornei-me cantor de caminhada em 1981 (exatamente 40 anos atrás), a partir do momento que passei a morar em Crateús, na diocese onde era pastor e profeta dom Antônio Batista Fragoso, primeiro bispo daquela diocese. Portanto são quatro décadas! E tudo começou com aquela canção que marca o início dos meus trabalhos musicais: “Quando o espírito de Deus soprou em mim”.

MSA – Sentiu-se, então, chamado a envolver-se e a atuar em atividades musicais e artísticas…

Zé Vicente – Na realidade, como lembrei, aquela melodia foi o início de tudo. Mas, antes disso, em 1974, comecei a dedicar-me à literatura de cordel porque era a tradição da minha família. E morando em Iguatu, com o bispo Dom José Mauro Ramalho, participei da efervescência dos grupos de jovens, utilizando a poesia popular de cordel para encontros e reuniões. Criamos, para melhor atingir outros jovens, um grupo de teatro amador, juntando poesia e canto. Acabei preparando, assim, peças de teatro em que eu me apresentava como ator, cantor de cordel. Nossas peças teatrais abordavam temas bíblicos e realidades sociais vividas pelo povo. Assumi também o papel de líder estudantil utilizando os caminhos e as expressões da arte. Isso me fez amadurecer.

MSA – E no desempenho desta sua missão de evangelizar com a música, como costuma acontecer, tem encontrado mais alegrias ou mais dificuldades?
Zé Vicente – Na verdade, posso afirmar que encontrei mais alegrias do que dificuldades. A partir do momento em que fui chamado a mostrar meu trabalho musical em vários estados do Brasil e até fora do Brasil, me coloquei a serviço das comunidades pastorais e movimentos sociais e, assim, tive oportunidade de conhecer e encontrar pessoas que buscam a unidade de coração, apoiando a vida humana e o meio ambiente. Há muita gente fazendo diferença. Há muita beleza em nosso planeta e em toda a criação. Trata-se de uma dádiva divina que nos encanta, mas que exige, em contrapartida, muita responsabilidade na sua preservação. Com isso, pude superar qualquer dificuldade; quando essas apareceram foram diluídas pelas alegrias. Por tudo, agradeço a Deus a cada dia.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_gallery interval=”3″ images=”35253,35250,35245,35235,35238″ img_size=”1000X1000″][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]MSA – Sabemos que em 1990, com seu apoio, houve a fundação do marca (Movimento de Artistas da Caminhada): um grupo onde ninguém era estrela sozinho, mas tinha o propósito de ser um espaço do cooperação. Como vê a situação atual e futura desse grupo?

Zé Vicente – Tínhamos, eu e outros artistas, uma paixão em comum: usar a arte a serviço da conscientização do povo. Uns artistas eram ligados à vida religiosa. Outros tinham sua própria profissão. Vejo, agora, com esta situação de pandemia, que a sobrevivência do grupo se torna problemática. A crise sanitária veio nos mostrar que somos (e como!) vulneráveis. Revelou que deveríamos ter apoio dentro da sociedade civil. Dessa forma, no momento presente, o MARCA é um movimento mais afetivo que efetivo. Apesar de tudo, vejo que a afetividade é um patrimônio, é algo sagrado e os participantes do grupo têm cultivado isso. Penso que, para o futuro nos devemos institucionalizar um pouco mais. Cabe aos caminhantes avaliar o que deve ser feito para garantir a continuidade da caminhada.

MSA – Certamente foi uma surpresa, que causou alegria, o fato de saber que uma letra de sua música foi escolhida para ser o lema de nada mais do que do próximo Congresso Eucarístico Nacional. Como foi isso?

Zé Vicente – Dom Fernando Saburido, arcebispo de Olinda e Recife, me deu essa notícia. Já conhecia Dom Fernando como monge do mosteiro de Olinda, quando eu estudei Teologia na capital de Pernambuco. Comunicou-me que a frase do refrão da canção: “A mesa tão grande e vazia”, isto é, “PÃO EM TODAS AS MESAS” havia sido escolhida para ser o lema do XVIII Congresso Eucarístico a ser realizado em novembro do próximo ano na sua Arquidiocese. Trata-se de uma expressão que foi usada por Dom Fragoso, bispo de Crateús, em um cartão de Natal, bem naquele ano em que a Campanha da Fraternidade tinha como tema “Pão para quem tem fome”. A frase foi colocada no cartão junto com o desenho de duas mesas, uma cheia de alimentos, mas com pouca gente, e outra com pouco alimento e muita gente. E estava escrito no cartão colocado junto das sacolas: “Sonho de Deus: pão em todas as mesas”. Por causa disso, essa canção não me pertence. Pertence ao sonho de Deus que, infelizmente, é negado a muitos por causa da realidade social e política do mundo. Temos grandes empresas e pessoas ricas que acumulam lucros em detrimento da fome e até da morte dos necessitados. Por outro lado, a frase é um apelo (“pão em todas as mesas”!) para que haja partilha. Pede resistência e mudança urgente diante de uma situação desumana, que é aquela da fome, como o próprio papa Francisco sempre nos lembra.

MSA – Eis uma particularidade que muitos gostariam de saber: de onde lhe vem a inspiração para a produção artística?

Zé Vicente – Na verdade, sinto que ela vem da situação que vivi: isto é, de pertencer a uma família de lavradores. Minha família sempre foi uma comunidade alegre e unida pela fé e pelo sangue. Tive, graças a Deus, o meu crescimento e minha formação nessa escola. A natureza é também outra fonte apaixonante de inspiração permanente. Sou plantador de árvores. Aliás, gostaria de plantar milhões de árvores aqui no Nordeste, para, como dizia padre Cícero, transformar essa terra num jardim. Sou apaixonado por flores, pássaros e toda a natureza. Sou também um ser humano e, como tal, sinto-me parceiro de crianças, jovens, adultos, idosos, vibrando pelos heróis do nosso povo. Há muitas pessoas anônimas que preciso trazer para a visibilidade. Eis a minha missão: cantar a beleza que vejo no meio do povo. Essa é a missão que eu tenho, até onde Deus me permitir.

MSA – O que mais admira nos santos franciscanos, de modo especial em São Francisco de Assis?

Zé Vicente – Quando fiz Teologia, no Recife, fiquei hóspede dos frades franciscanos, bem queridos. Conheci o
Ministro provincial deles, frei Honório, e tive oportunidade de ler vários livros sobre a vida de São Francisco, uma figura que me chamou a atenção. Fiquei encantado a tal ponto que cheguei a criar a melodia do Cântico das Criaturas, onde há o louvor a Deus por toda a obra da criação: “Onipotente e bom Senhor”. Os santos são seres humanos, que, em primeiro lugar, souberam amar a Deus, mas se preocuparam também com os pobres, socorrendo-os em sua situação de exclusão. Foram porta-vozes dos esquecidos da sociedade e organizaram, para quem mais precisava, um trabalho para ter esperança. Sem dúvida, receberam dons que o Espírito Santo lhes concedeu para ajudar os pobres. No que se refere aos santos franciscanos, foram ativos na linha da profecia cristã: precisamos, cada vez mais, cultivar a atitude de ir ao encontro de quem está na miséria em nosso Brasil e em nossa América Latina.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_hoverbox image=”35239″ primary_title=”” hover_title=”ZÉ VICENTE” css=”.vc_custom_1636140999886{border-radius: 2px !important;}”]“EIS A MINHA MISSÃO: CANTAR A BELEZA QUE VEJO NO MEIO DO POVO. ESSA É A MISSÃO QUE EU TENHO, ATÉ ONDE DEUS ME PERMITIR”[/vc_hoverbox][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]MSA – Essa espiritualidade franciscana está presente e, de certa forma, fermenta suas canções?

Zé Vicente – Tento, sim, colocar nas minhas composições uma dose intensa de esperança. Porém, é claro, depende de quem ouve e aprecia minhas letras e melodias partilhar o que está em meu coração, isto é a espiritualidade que motivou a vida de São Francisco de Assis e seus seguidores. Espero que minhas canções alcancem um resultado positivo, alimentando na vida das pessoas o amor a Deus e, ao mesmo tempo, a atitude de ver em cada semelhante um irmão ou uma irmã a quem precisamos servir. Se isso acontecer, eu me sinto recompensado.

MSA – Como experimenta o papel de ser cantor da caminhada, justamente neste tempo de tanta precariedade em que o povo brasileiro e o mundo se encontram?

Zé Vicente – Essa pergunta é bem angustiante porque se refere àquilo que faço dentro de um contexto de adversidade e de morte. Na verdade, é dentro de uma realidade desafiadora que tenho a missão de transmitir esperança e força para todos. Eu diria que dois são os aspectos que procuro cultivar. Primeiramente nas canções que faço, vou dirigindo a Deus um canto de CLAMOR, como temos no salmo em que os exilados na Babilônia clamavam ao Senhor. Viviam numa terra estrangeira e se perguntavam como podiam cantar hinos de Sião (Salmo 137). Interessante o que foi apresentado também por uma indígena no encontro das CEBS em Santa Maria (RS). Ela chegou a afirmar que não apenas estamos numa terra estrangeira, mas o próprio Deus nos parece estanho, melhor dizendo, desfigurado por tudo o que no tempo da colonização aconteceu, quando indígenas foram massacrados e negros escravizados. Essa estrutura de opressão está ocorrendo, também na atualidade, em nosso mundo. O clamor é por justiça. Mas, junto com isso, coloco a UTOPIA, que nos permite olhar para frente, acreditando na superação de autoritarismos, injustiças e maldades. Deus não abandona seu povo. É possível acreditar que um dia será reconhecido o papel da mulher na sociedade e esperar que nossas comunidades sejam cada vez mais ministeriais, isto é, onde floresçam os mais variados serviços em prol de todos. Vejo que esse é meu papel: erguer os desanimados!

MSA – Para finalizar, aqui vai nosso agradecimento. Muito obrigado, Zé Vicente, por ter atendido à solicitação de falar sobre suas atividades, por meio das perguntas propostas! E assim proporcionar aos leitores e assinantes do MSA a chance de ter mais conhecimento sobre a sua vida de cantor da caminhada!

Zé Vicente – Eu que sou agradecido, frei Luciano e frei Diogo! Realmente, foi-me dada a oportunidade de apresentar aquilo que fiz ao longo de 40 anos e vou continuando a realizar. Que a graça de Deus nos ajude nesta travessia! Que ocupemos também o lugar nas redes sociais da internet tão entulhadas de conteúdos! Temos a responsabilidade de anunciar a Boa-Nova do amor e da paz. Essa é a grande batalha das ideias, a que Dom Helder Câmara se referia. É dever e missão de todos os cristãos: ouvir a voz de Deus e fazer com que ela possa ressoar em toda parte para que o mundo creia e tenha vida.]

Frei Diogo L. Fuitem, OFM Conv
Editor do MSA

Frei Luciano Bernardi, OFM Conv

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