No mês de outubro, festejamos nosso querido pai São Francisco de Assis (1182-1226). Sua influência – tanto no século XIII quanto em nosso século XXI − continua viva, sobretudo por meio das três Ordens: dos Frades, das Irmãs Clarissas e da Ordem Franciscana Secular, além de tantas outras famílias religiosas que, pelo mundo inteiro, se inspiram em sua espiritualidade e são denominadas Ordem Terceira Regular.
Há algo muito interessante para nossa observação sobre a vida dos santos e das santas. Após suas mortes e, mais ainda, depois de seus milagres comprovados pela Igreja, alguns biógrafos (aqui me refiro àqueles da Idade Média) exaltam-nos de tal modo, que eles e elas parecem ser de outro mundo, de outro planeta, bem distantes de nós, simples fiéis, simples sacerdotes.
Há, porém, na biografia de diversos santos e santas, alguns fatos verídicos extraordinários e comprovados por testemunhas dignas de fé e de crédito. Aqui, refiro-me principalmente ao dom da bilocação: fenômeno humano (místico, na Igreja Católica) muito estudado atualmente do ponto de vista científico parapsicológico. Pois bem: nas vidas de São Francisco e de Santo Antônio de Lisboa e Pádua (1195-1231), há muitos relatos sobre essa capacidade.
Gostaria de partilhar com vocês, queridos leitores, um fato para mim extraordinário sobre a descoberta de um manuscrito franciscano, escrito por frei Tomás de Celano (1200-1265), biógrafo oficial de São Francisco, a pedido do papa Gregório IX (1170-1241), após a canonização do Poverello, em 16 de julho de 1228.
A descoberta desse pergaminho medieval se deve a frei Jacques Dalarun, ofm, frade francês, especialista em Idade Média e estudos franciscanos. Ele encontrou o precioso documento em um anúncio de venda on-line, sendo logo adquirido e guardado pelo Departamento de Manuscritos da Biblioteca Nacional da França.
Aqui, expressamos nossa enorme gratidão ao doutor Igor Salomão Teixeira, professor de História Medieval na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que traduziu para a língua portuguesa essa obra tão preciosa. Com as devidas licenças e com o acompanhamento de nosso querido e competente franciscanólogo frei Antônio Corniatti, ofmconv, foi possível inserir o conteúdo nas Fontes Franciscanas, publicadas em 2020 por ocasião do octingentésimo aniversário da vocação franciscana de Santo Antônio (1220-2020)1.
É importante ressaltar que esse precioso manuscrito foi descoberto em janeiro de 2015 (portanto é algo muito recente), sendo ainda objeto de estudos por parte de especialistas. A obra, intitulada A Vida de nosso Bem-Aventurado Pai Francisco (VBPF), foi dedicada por frei Tomás de Celano ao então ministro-geral frei Elias Bombarone (1232-1239). O objetivo do texto era integrar o Ofício Divino solene de São Francisco em nove noturnos, como se dizia, com nove leituras. E essas leituras, liberadas por frei Elias, foram escritas por frei Tomás de Celano em forma resumida, bem diferente das anteriores (1C e 2C), bastante prolixas, na linguagem do próprio autor. Presume-se que o material tenha ficado com algum frade, em forma de pergaminho todo amassado (o código mede 120 x 82 milímetros e é feito de pele de cabra curtida ao modo italiano), não se sabe como e com qual intenção, já que, por determinação do Capítulo Geral de Narbonne, na França (1265), e de São Boaventura de Bagnoregio (1221-1274), ministro-geral na época, havia sido baixado um decreto de queimar todas as biografias de São Francisco anteriormente escritas, restando como oficiais as duas Legendas (Maior e Menor), redigidas pelo mesmo frei Boaventura.
Mas o que Santo Antônio tem a ver com essa história da “vida redescoberta de São Francisco”? É o que veremos a seguir.
Na “Primeira Vida de São Francisco”, de autoria de frei Tomás de Celano, está a seguinte narrativa:
“Vou contar um caso entre os muitos que eu soube por testemunho de confiança. No tempo que frei João de Florença foi feito por São Francisco
ministro dos Frades da Provença (França) e estava celebrando o Capítulo dos Frades daquela Província, o Senhor Deus lhe abriu a boca para falar, com a piedade costumeira, e fez todos os frades ouvirem com benévola atenção. Havia entre eles um frade sacerdote, célebre pela fama e mais ainda pela vida. Chamava-se frei Monaldo e sua virtude, fundamentada na humildade e auxiliada pela oração frequente, era protegida pelo escudo da paciência. Estava participando do Capítulo também frei Antônio, a quem o Senhor abrira a inteligência para compreender as Escrituras e que falava de Jesus a todo o povo com palavras mais doces que o mel. Enquanto frei Antônio estava pregando com máximo fervor e devoção aos frades sobre as palavras: ‘Jesus Nazareno, Rei dos Judeus’, o referido frei Monaldo olhou para a porta da casa em que os frades também estavam reunidos e viu com os próprios olhos o Bem-Aventurado Francisco elevado no ar com as mãos abertas em cruz, abençoando os frades. Pareciam todos cheios de consolação do Espírito Santo e, pela alegria da salvação concebida, tiveram muita certeza do que ouviram acerca da visão e da presença do pai gloriosíssimo”2.
Em nome de Jesus Cristo. Amém!
A título de comparação, segue o relato da vida de nosso Bem-Aventurado Pai Francisco, escrita pelo mesmo frei Tomás de Celano:
“Para que seja claramente conhecida de todos a maneira pela qual São Francisco administrava as consolações do espírito, mesmo aos ausentes, relatarei aqui apenas um fato que conheci a partir do testemunho do Bem-aventurado Antônio, confessor de Cristo. Quando, em dada época, frei João de Florença, instituído ministro provincial dos frades na Provença (França), celebrava o Capítulo dos frades na mesma Província, esse santo que agora rememoramos, Antônio que troveja no céu, interveio neste Capítulo e, proferindo suas doces palavras habituais sobre Jesus, disse aos frades reunidos uma palavra de exortação sobre o tema ‘Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus’. Como todos foram invadidos pela doçura de seu discurso, um frade sacerdote chamado Monaldo, homem ilustre por seu renome, mas mais ilustre ainda por sua vida, amigo da santa simplicidade, olhou para a porta da casa onde os frades estavam reunidos. E viu com seus olhos corpóreos o Bem-Aventurado Francisco levitando com as mãos estendidas em cruz, abençoando os frades. A consolação do Espírito Santo que havia preenchido aqueles que estavam sentados, tornou este testemunho digno de fé”3.
Notas
1 FASSINI, Dorvalino (coord.). Fontes franciscanas. Vários tradutores. 2. ed. Santo André: Editora O Mensageiro de Santo Antônio, 2020.
2 CELANO, Frei Tomás de. Primeira Vida: Vida de São Francisco de Assis, escrita em 1228 d.C. [s.l]: Família Católica, 2018. p. 218-219. (n. 18.48,5-12).
3 FASSINI, op. cit., p. 1630. (n. 25).
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