Eucaristia e Celebração: Oração sobre as oferendas

jul 24, 2022Assinante, Maio 2022, Revistas, Sacramentos da Igreja0 Comentários

A Assembleia reconhece a ação de Deus na história e oferece algo de si, da sua história e da sua vida para que a Salvação continue e seja real no mundo e certeza na eternidade.

A história: uma contradição

Uma expressão comum na Teologia é “já e ainda não”. Ela indica que, embora a revelação e a salvação sejam atuais e reais, ainda não são totais e definitivas. É assim, pois, que a história – “lugar” onde vivemos – não é definitiva nem está concluída, mas ainda em construção, com as contradições que lhes são próprias. A clareza total, o definitivo, só se dará no éscaton, no mundo vindouro. Enquanto estivermos aqui, na história, precisaremos trabalhar, buscar, escolher, seguir e decidir.


A salvação é também o resultado desses trabalhos, escolhas e decisões. Ela nasce da presença de Deus na história, que se revela a cada pessoa, seja na história de cada um, seja na história das ideias, dos povos e das suas transformações.
Aqui entram os sacramentos, de modo especial a Eucaristia, que estamos analisando. Ela é uma expressão muito clara de todo o movimento da história, das descobertas do ser humano, do modo de ver, tantas vezes confuso, ambíguo e até contraditório. No rito eucarístico há uma oração que concentra um pouco essas contradições: a oração sobre as oferendas.

A Oração e as oferendas

Depois da apresentação das ofertas, do lavabo e do convite à oração, o presidente da celebração diz a “oração sobre as oferendas”. Essa oração é uma constante na história da celebração da eucaristia, desde a mais antiga tradição até o rito atual. Talvez seja aqui que apareça com mais evidência o conflito da teologia sacrificial com a teologia memorial. Note-se, de antemão, que a teologia sacrificial é a que se destaca, isso pela própria natureza da oração, feita sobre oferendas que são apresentadas para o sacrifício.


A oração sobre as oferendas tem sua origem na sequência das ações que aconteciam na celebração da eucaristia como vemos nos textos antigos. Não está muito claro se ela se destacava, na Antiguidade, como oração particular, ou se ela se unia com o que chamamos de Oração Eucarística. O que é certo é que no rito romano, que assimilou tendências de outros ritos, essa oração aparece de modo destacado já nos séculos V e VI. Com a liberdade do culto, foi possível organizar o modo de celebrar. E a oração sobre as oferendas aparece como um momento próprio, destacado da Oração Eucarística, concluindo o rito das ofertas.

Pode-se dizer que o sacrifício de Cristo é “completado” com o sacrifício dos fiéis, em uma dupla consequência de salvação:
a presença de Cristo como alimento e a presença de Cristo nas ações dos fiéis, que juntas formam a Igreja


Visto de modo objetivo, talvez essa oração nem fosse necessária, pois a Oração Eucarística, que se segue a ela, tem os motivos (origens) e os sentidos (significados) para a celebração. O que parece é que a oração sobre as oferendas valoriza o que seu nome destaca: as oferendas. Porém, o que se oferece é a ação salvadora de Cristo ou os dons da Igreja? Ou dito de outro modo: O que é sacrificado: o Cristo Jesus ou o que a Igreja apresenta?


Eis uma múltipla contradição! Sim, pois como sabemos, as ofertas feitas na celebração da Eucaristia são o pão, o vinho e a água. A piedade e a própria ação litúrgica de ofertar levam a Igreja a apresentar outros elementos, como valores em dinheiro, alimentos, vestimentas etc. Isso tem sentido, pois a oferenda do que será a presença de Cristo na Igreja, o pão, o vinho e a água, é completada com a oferenda para que a Igreja e seus membros possam viver com segurança e algum conforto. Pode-se dizer que o sacrifício de Cristo é “completado” com o sacrifício dos fiéis, em uma dupla consequência de salvação: a presença de Cristo como alimento e a presença de Cristo nas ações dos fiéis, que juntas formam a Igreja.


A oração sobre as oferendas, contudo, não é clara quanto ao sentido fundamental do sacrifício, o que induz os fiéis à consideração de que é o sacrifício “nosso”, de cada um, que gera a salvação, não o sacrifício de Cristo. É quase uma oração que busca resultados: alguém oferece algo para obter algo em troca.

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Oração sobre as oferendas, Canção Nova


Proposta e pedido. Tal contradição tem a ver com alguns conceitos teológicos e simbólicos que já foram tratados aqui e aos quais retornaremos oportunamente. Agora, olhemos para o esquema básico da oração sobre as oferendas. Ela se compõe de três partes. A primeira é uma proposta; a segunda é um pedido; e a terceira parte é a conclusão, que dá o sentido do que se faz, de forma clara e objetiva: “Por Cristo, nosso Senhor. Amém!” Esse fecho, a conclusão, não oferece dificuldades de compreensão. Olhemos agora para as duas partes anteriores.

A primeira parte: a proposta

A oração sobre as oferendas é curta na sua formulação. A primeira parte é uma proposta, originária de múltiplas fontes. Pode ser o tempo litúrgico, a celebração e sua referência, como a memória de um mártir, de um pastor, de um fato salvífico. Pode ser também uma referência a uma ação humana, uma abertura em servir, uma disposição na ação. E a proposta pode também ser a oferta de um elemento material, ainda que de modo genérico, expresso como “dons”, “ofertas” ou outra palavra.


Enfim, o certo é que algo é apresentado! A ação de Deus na história, por meio de Cristo ou de um fato, seja ele o testemunho de um santo ou santa, um lugar especial ou uma situação específica. Ou é um produto da ação humana, uma afirmação da resposta da Igreja que reforça a confiança, a decisão da fé ou do serviço a Deus e à humanidade. É um conjunto bem amplo de possibilidades, o que dá para a oração sobre as oferendas diversos caminhos.

A segunda parte: o pedido

Depois de proposto o motivo, o fato, o dom ou a disposição da oferenda, é feito o pedido. Ele é rápido e objetivo, às vezes, é geral, como a vida da graça ou a salvação continuada na história. Mas, outras vezes, ele pode ser mais pontual, como a saúde, a paz, a concórdia e outras necessidades.


Essa abertura para pedir pode sugerir, de modo claro ou implícito, um sentido pragmático para a eucaristia. Seria algo como celebrar para obter algo para nós. Isso foge do significado central da Eucaristia que é, fundamentalmente, reconhecimento da ação de Deus na história, por meio de Cristo Jesus e da sua revelação, e a expressão de gratidão por tudo isso. Não é um “pedido reforçado” de algo em benefício próprio ou de um grupo ou situação. O importante é reconhecer que tudo vem de Deus: a Ele agradecemos e damos o nosso louvor por Cristo, com Cristo e em Cristo. Ao mesmo tempo, tomamos a liberdade de manifestar a Ele as nossas necessidades e entregá-las no mesmo altar em que Cristo, o dom por excelência, se entrega!

Para compreender melhor:

• CORBON, Jean. A fonte da Liturgia. Prior Velho: Paulinas, 2016.
• JUNGMANN, Josef Andreas. Missarum Sollemnia: origens, liturgia, história e teologia da Missa Romana. São Paulo: Paulus, 2009.
• MARSILI, S.; NOCENTI, H; AUGÉ, M., CHUPONGNO, A.L. A Eucaristia, teologia e história da celebração. São Paulo: Paulinas, 1986.
• NOCENT, A., et alii. Os Sacramentos: teologia e história da celebração. Trad.: José Raimundo Vidigal. São Paulo: Paulinas, 1989. (Coleção Anámnesis, 4).

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