ENTENDENDO A BÍBLIA: Paixão de Jesus! Paixão de Madalena!

Escrito por omensageiro_master

Quando Jesus entregou seu espírito ao Pai, Madalena estava aos pés da cruz vivenciando a Paixão do Mestre amado! (cf. Jo 19,25-30). Na manhã do primeiro dia da semana, ela foi ao sepulcro e o encontrou vazio. Apavorada, correu e relatou o fato aos discípulos, os quais foram ao túmulo, constataram o fato e voltaram para casa. Maria, no entanto, continuou lá, do lado de fora, no jardim, chorando. Olhou para dentro do túmulo e viu dois anjos. Conversou com eles e com Jesus, que a chamou pelo nome: “Maria!” Ela O reconheceu. Queria tocá-Lo, mas ele a impediu, ordenando-lhe que fosse anunciar aos seus que Ele voltaria para Deus. Maria Madalena saiu correndo novamente, para dizer aos discípulos: “Eu vi o Senhor” (Jo 20,1-18). O fim da Paixão parecia próximo. Uma rica simbologia evidencia o encontro de paixão entre Madalena e Jesus, no caminho, em um jardim e em um túmulo, na cruz e na noite, na pedra e nos discípulos, no aroma e nas flores, no choro e no toque, nos anjos e no eterno retorno.
Paixão, amor e sofrimento misturam-se nessa poesia da comunidade joanina que poderá ter se inspirado na passagem do livro Cânticos dos Cânticos (cf. Ct 3,1-5), o mais belo canto de amor da Bíblia. Esquema literário e simbologias se entrelaçam. O texto de Cântico descreve extasiado: “Em meu leito, pela noite, procurei o amado da minha alma. Procurei-o e não o encontrei! Vou levantar-me, vou rondar pela cidade, pelas ruas, pelas praças, procurando o amado da minha alma… Procurei-o e não o encontrei. Encontraram-me os guardas que rondavam a cidade: ‘Vistes o amado da minha alma?’ Passando por eles, contudo, encontrei o amado da minha alma. Agarrei-o e não vou soltá-lo, até leva-lo à casa da minha mãe, ao quarto da que me levou em seu seio. Filhas de Jerusalém, pelas cervas e gazelas do campo, eu vos conjuro; não desperteis, não acordeis o amor, até que ele o queira!”
Nesse belíssimo poema do amor, encontramos vários símbolos que expressam o encanto, a paixão de duas pessoas que se amam em profundidade no âmago do ser, no leito e na noite, na cidade e nas ruas, nas praças e nos guardas, no agarrar e soltar, na casa da mãe e no quarto, nas filhas de Jerusalém e nas cervas e gazelas do campo.
Na força poética desses símbolos, eclode o amor, um misto de paixão e de ressurreição de duas mulheres amadas, a mulher de Cântico dos Cânticos e a do Evangelho, a Madalena1.
a) Cruz: simboliza a morte violenta. É o fim de tudo. É a não vida. Maria Madalena, aos pés da cruz, contemplava o seu amado morto. Ela queria retê-lo com vida, mas não lhe era possível tal envergadura. A solução parecia ser a de morrer com ele. Maria sabia que seu amado não podia morrer. Ele precisava viver para sempre. Por isso, ela não parou na cruz, mas saiu a caminho, em busca do amado. Ela queria encontrá-lo em outro lugar que não fosse a cruz. A amada de Cânticos faz o mesmo. No seu leito, pela noite, ela procurava pela amado.
b) Leito e cruz: lugares onde repousam os que amam em profundidade. Jesus morreu na cruz por amor aos Seus. Quer expressão maior de amor que essa? Mas o amor não para aí; ele está em toda parte e é preciso encontrá-lo.
c) Caminho: é o agir, o fazer de alguém que não para na morte, pois a vida é vida a caminho. Qual outra Maria de Cântico dos Cânticos 3,1-5, Madalena saiu à procura de seu amado. Coisa não muito comum em tempos antigos. A pressa pelo caminho de Maria Madalena e da mulher de Cânticos dos Cânticos expressava o desejo incomensurável de trazer de volta o amado que se foi. É impossível não caminhar quando se sabe que, no final da jornada, o amado estará à espera da paixão que nunca morreu. A mulher de Cântico é toda mulher tolhida de ter a seu lado o amor de sua vida. Conforme os costumes de Israel, a mulher não podia escolher o marido.
d) O vazio da noite: é o triste e tenebroso caminhar noturno do vazio deixado por aquele que se foi ou que não se pode ter, porque as regras morais não o permitem.
e) No caminho, anjos e guardas: a mulher de Cânticos encontrou guardas pela rua; Madalena encontrou anjos no túmulo. Em ambos os textos, ocorreu um diálogo com esses personagens. O diálogo simboliza o vazio da amada que procura o seu amado. Os anjos representam a presença eterna e terna de Deus. Os guardas noturnos são personagens típicos da poesia popular sobre o amor. A pergunta aos guardas não precisa de resposta. É como afirmar: “Vocês não viram o meu amado. Eu preciso buscá-lo sempre. Essa é a minha sina. É o caminho de todos que amam”. Uma estrada por mais velha e batida que seja não será sempre a mesma na trajetória do amor. Um caminho se faz caminhando.
f) O túmulo: é o vazio, o nada, o silêncio. É cada um de nós morto com aquele que jaz eternamente. É o vazio existencial mesclado com o desejo de trazer de volta aquele que amamos. É um amontoado de pedras que guarda o amor de minha vida.
g) Perto de um túmulo, um jardim; na cidade, uma praça: lugares de procura do amado. Com certeza, o amor vive entre as flores da praça ou em um túmulo acariciado por um jardim.
h) No jardim e na praça, flores: símbolos da gratidão, do desejo e da saudade do amado que partiu. Nas flores, o fim da saudade, o deixar o amado partir. As lágrimas por alguém que morreu se cristalizam nas flores de um túmulo. Essas flores não murcham nunca, pois elas vivem dentro de quem ficou. A vida é assim. Chega um momento que não é mais possível chorar pelo ente querido. Ai de nós se as flores não existissem para catalisar as relações humanas no momento da partida. As flores expressam o fim da saudade.
i) Com as flores, a saudade: vontade de ver e de reencontrar o amado. A saudade é quase como a morte. Ela é tão forte que só quem a experimentou de verdade sabe quanto ela dói. Ter saudade é o mesmo que buscar no mais profundo de nós as lembranças do amado. E essa tarefa parece não terminar. Para alguns, é infindável. Ela só termina quando o coração se sente possuído pelo amor eterno, que não morre mais. E esse sentimento deixa de ser a morte, pois o amado passa a viver eternamente e sempre viverá, ainda que ausente.
j) No encontro com amado, o desejo de tocá-lo e agarrá-lo: vontade de possuir para sempre o amado. É corporeidade sem limites. Maria Madalena queria tocar Jesus. A Maria de Cânticos queria agarrar e não soltar nunca seu amado. Foi difícil encontrá-lo. O amor é assim: provisório e ilimitado.
k) Voltar para a casa do pai e da mãe: um amor vivido em profundidade tem sua origem em Deus, que é pai e mãe. A amada de Cântico precisa voltar ao berço do seu amor, a casa de sua mãe. Jesus disse para Maria Madalena: “Vá e diga aos apóstolos, seus companheiros de caminhada, que eu volto para a casa de meu Pai. Seja você força na caminhada deles. E eles estarão com você no caminho do amor” (cf. Jo 20,17-18). Nesse momento, ela compreende que Jesus vive dentro dela. Não há mais o que procurar a não ser ela mesma. Isso é ressurreição!
l) Na partida, um adeus: é ficar com Deus, o amado que vive eternamente no eterno mistério da procura. No adeus, está sempre um desejo reencontrar e, ao mesmo tempo, a certeza do encontro definitivo da vida em Deus, em Jesus, que não morre mais. Maria Madalena foi dizer aos seus que Jesus vivia eternamente. Ele não morreu. O amor é eterno.
m) No adeus, a eterna ressurreição: Maria Madalena partiu para anunciar a Pedro e aos apóstolos que Jesus havia ressuscitado. Pedro encontrou-se com Maria Madalena, de quem recebeu o anúncio da ressurreição. Nesse encontro, houve uma surpresa: “A fiel rocha de Pedro se esmigalhou como areia, mas a fé de Maria é verdadeiramente rocha (…). A parte masculina do amor revelou-se em energia, forte é a feminilidade. O sol do amor masculino se põe na morte, o sol do amor feminino levanta-se na ressurreição”2.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_message]

Referências bibliográficas

1.FARIA, Jacir de Freitas. As origens apócrifas do cristianismo: comentário aos evangelhos de Maria Madalena e Tomé. ed. São Paulo: Paulinas, 2004. p. 36-41.
2.MERESKOVSKIJ, Dimitri. Morte e ressurreição. In: SEBASTIANI, Lílian. Maria Madalena: de personagem do evangelho a mito de pecadora redimida. Petrópolis: Vozes, 1995. p. 211.

Frei Jacir de Freitas Faria, ofm

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