A “fé simples e dos simples” do papa Francisco

jun 28, 2023Igreja em renovação, Julho-Agosto 2023, Revistas0 Comentários

Antes de ser internado, no último dia 7 de junho, o papa Francisco (1936-) rezou diante das relíquias de Santa Teresinha do Menino Jesus (Santa Teresa de Lisieux, 1873-1897). Era dia da tradicional audiência geral, quando peregrinos do mundo todo se reúnem na Praça de São Pedro para escutar a reflexão semanal do pontífice.

Até aquele momento, não sabíamos que o papa estava na iminência de ser submetido a uma cirurgia para reparar uma hérnia no intestino. Horas depois, ele deixou o Vaticano e partiu em direção ao Hospital Agostino Gemelli, em Roma, para se preparar para o procedimento. Tudo transcorreu bem.
Naquele momento, o pontífice confiava sua vida a uma de suas santas de devoção, cuja relíquia ele sempre carrega consigo. O Santo Padre revelou esse apreço pela santa francesa quando retornava de sua viagem ao Brasil, em 2013. Em resposta a uma jornalista francesa, que estava no voo papal, ele revelou o que o fez nutrir essa devoção à freira carmelita descalça: “Ela é uma das santas que mais falam sobre a graça de Deus e sobre como Deus cuida de nós, toma-nos pela mão e nos permite escalar agilmente a montanha da vida, se nos deixamos abandonar completamente a Ele, se nos deixamos ‘transportar’ por Ele. A pequena Teresa compreendeu, em sua vida, que é o amor, o amor reconciliador de Jesus, que move os membros de Sua Igreja. Isso é o que Teresa de Lisieux me ensina. Também gosto de suas palavras contra o ‘espírito de curiosidade”, destacou.

Tomamos como exemplo essa devoção particular do pontífice para identificarmos os traços da influência religiosa latino-americana e como ele faz questão de promover essa religiosidade popular tão característica dessa parte do continente americano.

O papa Francisco toca as imagens de santos, reza diante delas e faz rituais próprios que nos remetem, muitas vezes, a nossos avôs – os grandes mestres da religiosidade, dos quais herdamos o desejo de dialogar com o sagrado.

Por incrível que pareça, tais manifestações ainda se reproduzem nos núcleos paroquiais que frequentamos. É interessante constatar que essa religiosidade popular não envelhece, mas se recria, trazendo consigo elementos de uma memória místico-afetiva, muito ligada aos valores da família e/ou à presença de uma figura profética do mesmo sangue (ou não).

Não é diferente com o papa Francisco. Certamente, em âmbito católico, muitos de nós guardamos essas lembranças e nos identificamos com os gestos do pontífice e com esse tipo de postura diante do divino.

Em um depoimento emocionante, o Santo Padre falou a respeito dessa “fé viva e concreta” que viu sua avó Rosa praticar: “E foi principalmente minha avó, mãe do meu pai, que marcou o meu caminho de fé. Lembro-me sempre de que, na Sexta-Feira Santa, à noite, ela nos levava à procissão das velas e, no final desta procissão, vinha o Cristo morto, e minha avó nos fazia ajoelhar e dizia: ‘Olhem, Ele morreu, mas ressuscita amanhã’. Recebi o primeiro anúncio cristão exatamente dessa mulher, da minha avó! Isso é lindo! O primeiro anúncio, em casa, com a família! […] Foi minha avó Rosa que me ensinou a rezar. Ela me transmitiu sua fé. Contava-me as histórias dos santos”, ressaltou.

E os europeus surpreendem-se com algo que, para nós, é o trivial de nosso catolicismo. A fé dos simples choca porque se desvencilha daqueles parâmetros humanos que “teologizam Deus” sem vivenciá-Lo verdadeiramente.

Olhando por essa perspectiva, o papa Francisco não quer “reformar” uma espiritualidade, muito embora essa palavra esteja tão atrelada a seu modo de conduzir a Igreja Católica. Ele quer, na verdade, resgatar a essência da fé e das práticas. Uma fé simples e dos simples. Foi o que Jesus ensinou.

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